Marcus Pestana

Liberdade abre as asas sobre nós

Desafio de fortalecer e consolidar a democracia

Por Marcus Pestana
Publicado em 17 de fevereiro de 2024 | 08:00
 
 
Leia artigo de Marcus Pestana sobre importância da liberdade e da consolidação da democracia Foto: Ilustração O TEMPO

Dizem que o ano, no Brasil, começa só após o Carnaval. Fora o exagero da caricatura, há uma verdade sobre certa trégua no debate público. Mas, neste período, as instituições não descansaram e desenvolveram diversas ações para elucidar os fatos relacionados ao triste 8 de janeiro de 2023.

Tudo indica que importantes setores políticos, sociais, militares e empresariais se envolveram numa trama para interromper o processo democrático brasileiro e revogar nossa Constituição. Toda esta investigação tem que ser conduzida com rigor, serenidade e equilíbrio, assegurando a todos a presunção da inocência e o amplo direito de defesa.

Se há uma ideia vitoriosa no início do século XXI é a da democracia como valor universal e permanente. Como expressou Alexis de Tocqueville: “Nada é mais maravilhoso que a arte de ser livre, mas nada é mais difícil de aprender a usar do que a liberdade”. “Liberdade” e “democracia” são palavras gêmeas, mas não se confundem. Liberdade tem uma dimensão mais individual, e democracia, mais coletiva. Não existe democracia sem liberdade, mas também não existe liberdade sem democracia. Até onde vai a minha liberdade e onde começa a do outro? Como arbitrar conflitos e contradições? O economista liberal Hayek afirmava que “liberdade e responsabilidade são inseparáveis”. Não é trivial e fácil. Melhor o conceito intuitivo de nossa Cecília Meireles no seu Romanceiro da Inconfidência, longe das formalizações teóricas: “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

É impossível na vida em sociedade a liberdade completa e absoluta. Há limites e responsabilidades. A democracia é a tradução institucional aproximada da ideia de liberdade. A singela e clássica definição de Abraham Lincoln deveria encontrar fácil concretização na realidade: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas o termo “povo” é uma abstração. Na sociedade moderna seria impensável uma democracia direta. O que faz emergir a pergunta central: quem fala e age em nome do povo?

Hoje, no Brasil e no mundo, há um razoável consenso a favor da democracia. Conservadores, liberais, democratas-cristãos, social-democratas, verdes e socialistas democráticos convergem na defesa da democracia e da liberdade como caminho de convivência e definição do futuro. Apenas setores radicalizados sonham com ditaduras reacionárias de direita ou esquerda.

Nesse início de 2024, no Brasil, talvez este seja o principal desafio: fortalecer e consolidar ainda mais nossa democracia.

Pela experiência histórica e reflexão teórica acumulada são inarredáveis: eleições periódicas, livres e diretas; voto universal; alternância no poder; liberdade de organização, pensamento, opinião, expressão, de ir e vir, sindical, de imprensa; liberdades individuais garantidas; Constituição e leis com regras que regulem o jogo democrático e protejam o direito das minorias e dos indivíduos contra os impulsos coercitivos do Estado; reconhecimento mútuo da legitimidade dos diversos atores na cena política; contenção no uso do poder.

Mesmo com todas as qualidades aparentemente óbvias da democracia, desafia o pensamento o fato de a maioria do povo americano parecer disposta a votar em Trump? É preciso decifrar as fragilidades da democracia contemporânea.