OBSERVATÓRIO DAS ELEIÇÕES 2020 NOS EUA

Teoria dos jogos e o colégio eleitoral dos Estados Unidos

Interações estratégicas e importância do voto

Por Adriano Cerqueira
Publicado em 01 de abril de 2020 | 03:00
 
 

No dia 8 de novembro de 2016, foram realizadas as últimas eleições para a Presidência dos Estados Unidos da América. Disputavam com favoritismo os candidatos dos partidos Democrata (Hillary Clinton) e Republicano (Donald Trump). O resultado da eleição foi que Hillary Clinton obteve 48,53% da votação (65.853.516 votos), e Donald Trump, 46,42% da votação (62.984.825 votos). Assim, Hillary Clinton, com 2.868.691 votos a mais, teria ganhado as eleições, certo?

Errado. O vencedor foi Donald Trump porque ele conquistou 306 delegados, contra 232 de Hillary Clinton, uma diferença de 74 delegados a favor do candidato do partido Republicano. Como as eleições nos EUA são decididas pelo maior número de delegados que um candidato conquista no colégio eleitoral, a vitória foi para Donald Trump. Outra forma de verificar o triunfo eleitoral do republicano é ver o número de Estados (mais o distrito de Colúmbia) em que ele ganhou as eleições: foram 30 contra 21 para a democrata. O resultado pode ser resumido assim: apesar de ter recebido menos votos do eleitorado, Trump venceu em um número significativamente maior de Estados, que lhe assegurou a maioria dos delegados.

A chave da explicação da vitória de Trump em 2016 pode ser encontrada na chamada “teoria dos jogos”. Ela objetiva compreender as opções racionais, ou estratégicas, formuladas por indivíduos que estão vivendo uma situação de interação. Eles necessariamente dependem um do outro para atingir seus interesses mais pessoais e, nesse sentido, podem assumir um comportamento mais cooperativo ou mais conflitivo, que será definido por cálculo racional. A estratégia da cooperação estimula decisões que harmonizam os interesses dos dois indivíduos, enquanto a estratégia conflitiva estimula decisões que opõem um indivíduo a outro.

Nesse sentido, para entender as decisões de um candidato para ganhar a maioria do colégio eleitoral, devemos partir de um ponto: a estratégia do “jogo” eleitoral é conflitiva. Um candidato tem que derrotar o outro. Não pode haver cooperação. Esse objetivo fundamenta as estratégias dos candidatos que disputam efetivamente a eleição dos EUA, que são os dos partidos Democrata e Republicano. Essa opção, por uma estratégia conflitiva, explica o tom de guerra que marca as disputas presidenciais nos EUA, e isso ocorre pelo caráter de apenas dois partidos historicamente dominarem as disputas presidenciais nesse país.

Dessa situação deriva que o objetivo principal da guerra eleitoral é conquistar o maior número de delegados, pois essa maioria definirá quem será o presidente. Portanto, ganhar a maioria dos votos dos eleitores não é o objetivo principal, mas secundário e a depender de como se processou a dinâmica eleitoral.

Disso deriva que o candidato não deve se preocupar em ser o mais popular em todo o país, mas ser o mais popular na maioria dos Estados que lhe permitirão obter a maioria dos delegados. Consequentemente, se o candidato perceber que não é popular em um Estado e que dificilmente poderá melhorar nele sua situação eleitoral, ele será orientado por essa estratégia a desistir deste em que ele não é popular para que possa concentrar seus limitados recursos de campanha (dinheiro, militantes, propaganda, cabos eleitorais, viagens) naqueles em que ele terá melhores condições de ganhar, nem que seja por uma pequena diferença de votos. Isso porque, se ele ganha no Estado, ele obtém o voto de todos os delegados que aquele Estado tem (com exceção de dois Estados que não seguem essa regra, Nebraska e Maine).

Esse jogo estratégico foi denominado na teoria dos jogos de “Blotto Game”. Ele é utilizado em diferentes situações políticas e econômicas, mas é muito útil para explicar como se processam as estratégias em uma eleição presidencial marcada por uma disputa bipartidária como é a que acontece nos Estados Unidos da América. Em 2020, quem fizer as melhores escolhas de conquista dos Estados que garantam a maioria dos delegados ganhará a eleição.

Adriano Cerqueira é doutor em história e professor de relações internacionais no Ibmec BH