Como entender a conversão dos EUA, nos anos 70, a líder verde do planeta? Quais as causas do declínio, nas últimas décadas, da liderança americana em questões ambientais? Quais as razões para um maior engajamento internacional dos EUA, nesse momento, em assuntos de energia e mudanças climáticas?

Há décadas a energia e o meio ambiente ascenderam na agenda das grandes questões da política internacional. Na Guerra Fria tais assuntos estavam confinados a low politics, frente à economia e segurança. Ao longo do período a temática se aproximou do topo, em política externa. A degradação dos recursos naturais, a poluição, o desflorestamento, a contaminação de águas e solos foram associados às mudanças do clima, inundações, elevação das marés e desertificação, passando a ser compreendidas como ameaças globais, ao desenvolvimento e soberania dos Estados.

No fim dos anos 60, a crise no Vietnã ameaçava o governo Nixon, entre outras causas, pelo ecocídio derivado do uso de Agente Laranja, massivos testes nucleares e pela estratégia madman, em que o presidente ameaçava a União Soviética com ataques nucleares, para o abandono de seu apoio aos norte-vietnamitas. Dadas as pressões domésticas sobre o assunto, a estratégia de Nixon foi apresentar os EUA como campeões ambientais. É exatamente nesse momento que houve a criação da Agência e Conselho de Proteção Ambiental dos EUA, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da I Conferência da ONU para o Desenvolvimento Humano (1972), na Suécia. Frente aos Pentagon Papers e a renúncia de Nixon, as questões ambientais somem da agenda do Presidente Ford e retornam, sob a perspectiva da Doutrina Carter.

Carter foi o primeiro presidente a enfrentar, amplamente, as questões globais do ambiente e traduzi-las em regulação doméstica. A defesa ambiental do Alasca e o Superfund Act (1980) foram os principais programas. A limpeza de resíduos tóxicos, a definição do princípio do poluidor-pagador e a cobrança de impostos da indústria química e petróleo foram as bases, em um programa que chegou a ter um orçamento de US$ 8,5 bi. Mas, internacionalmente, a Doutrina Carter realçou as questões de energia, ao estabelecer, o direito de intervir, no Golfo Pérsico, para a defesa do interesse nacional.

O governo Reagan foi marcado pela redução de incentivos à programas ambientais e a devolução das responsabilidades federais, na área, para governos estaduais e locais. Reagan cortou fundos do Pnuma, reverteu compromissos internacionais e deixou a Unesco, negando qualquer engajamento que reduzisse a competitividade dos EUA. Porém, no segundo mandato, demonstrou um ativismo ambiental incomum, ao apoiar a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio, que protege os seres humanos dos raios ultravioletas B. Nos anos 80, cientistas descobriram que a produção humana de gases CFC tinha causado um buraco na camada de ozônio, pondo em risco a vida no planeta. Recursos foram enviados aos estados em desenvolvimento para substituir o CFC por outros gases, produzidos pela DuPont e Allied Chemical (Honeywell).

George Bush Sr., em sua campanha de 1988, apresentou-se como um “environmental president”, em função da então popularidade dos assuntos ligados às mudanças climáticas, nos EUA. Apoiou o Clean Air Act (1991), mas as pressões do governo para a não inclusão de compromissos temporais em relação a Convenção de Mudanças Climáticas, e a não assinatura da Convenção sobre Biodiversidade minaram as expectativas de uma mudança assertiva.

Clinton/Gore fizeram inúmeras promessas, inclusive de estabelecer metas para a redução de emissões de dióxido de carbono, economia de combustíveis e promoção de energias limpas. Clinton nomeou especialistas para postos-chave e levou os assuntos de energia e mudanças climáticas ao core da política externa. Com um congresso hostil e pressões da indústria, Clinton falhou em muitos de seus compromissos. Sob sua administração, porém, o conceito de segurança ambiental foi introduzido no planejamento de defesa.

Bush Jr., repudiou os acordos de Clinton, alegando que não poderia haver compromisso se os estados em desenvolvimento não assumissem metas claras. A recusa ao Protocolo de Quioto se deu em um ambiente de claro ceticismo, em relação às mudanças climáticas. Bush Jr. delegou a seu vice, Dick Cheney, a tarefa de construir recomendações, que geraram o Energy Policy Act (2005) que proveu subsídios para a indústria do petróleo e gás, acesso as reservas do Alasca e uma isenção regulatória para os fluidos usados no fraturamento hidráulico para extração de petróleo shale, o que levou a uma crise na Agência Ambiental. Com o shale oil, por outro lado, foi possível assumir a liderança mundial da produção de petróleo.

A administração Obama obteve seu principal trunfo, na área, com a assinatura do Acordo de Paris (COP 21), que envolveu 196 países para limitar o aquecimento global. A crise de 2008 e a derrota democrata nas midterms em 2010 reduziram a capacidade do governo, frente a uma agressiva campanha nacional contrária as mudanças climáticas. Trump, em 2017, retirou os EUA do Acordo de Paris. Seu plano de energia America First deu destaque para energias não-renováveis, removeu as ameaças ambientais da defesa nacional, relaxou punições às companhias poluidoras do ar e postergou as metas da indústria automotiva para a economia de combustíveis. A posse de Biden deu destaque a agenda ambiental, com o anúncio de um plano ambicioso – 100 % de energia limpa, até 2050; investimentos de U$ 1,7 tri, em 10 anos; aumento da fiscalização contra poluidores e a criação de uma Aliança Global pelo Clima. A resposta de Biden atende, em parte, a campanha democrata, mas também as pressões da comunidade científica e das instituições internacionais.

Observando os diferentes governos torna-se possível entender os motivos da análise de política externa realçar os links entre política doméstica e internacional, frente ao desafio de explicar a política externa ambiental dos EUA. Afinal, as preferências dos líderes, partidos, consensos científicos ou mesmo a pressão de grupos de interesse não permitem desvendar a política de Nixon, Bush Jr. ou Clinton. Democratas e republicanos, historicamente, usaram a política ambiental para oferecer respostas aos desafios políticos globais, na economia e em assuntos geopolíticos.

A adesão a causas ambientais é anterior ao fim da Guerra Fria, e sua multilateralização foi obra dos republicanos, no governo Nixon. A elevação aos assuntos prioritários em política externa, a adoção de uma agenda global de combate às mudanças climáticas, porém, é obra de democratas. Mas o ceticismo ambiental, algo incomum, historicamente, no Partido Republicano, se tornou, desde Bush Jr., uma expressão de sua identidade, sedimentando, às avessas, os compromissos ambientais que o Partido Democrata resistiu em assumir como um sulco profundo em seu programa.

A perda de protagonismo é derivada da negativa em reconhecer a relevância do multilateralismo e das negociações climáticas, na elite formuladora, como uma defesa do interesse nacional daquele país. Não há respostas sem a incorporação da dimensão doméstica, em política externa ambiental, e minha hipótese é que a liderança americana foi utilizada, no período, como exportadora de regras ambientais, de tal sorte a proteger seus atores domésticos e governo. À medida que o cenário global se torna mais restritivo, como ao fim da unipolaridade, diminui o ativismo normativo e aumenta a demanda multilateral de compartilhamento de responsabilidades ou o nacionalismo da negação.

Autor

Observatorio das Americas

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