Alguns anos atrás morei em Londres e, na época, pude observar que a nacionalidade dos habitantes daquela cidade é tão variada que o ouvido até demora um tempo para distinguir qual língua está sendo falada ao nosso lado. Por isso, virou uma espécie de passatempo tentar descobrir de onde eram as pessoas a minha volta.

Porém, um dia, um pai e uma filha subiram no ônibus em que eu estava. A garotinha devia ter uns 4 anos, e eles se sentaram no banco logo atrás do meu. O pai começou a falar com a menina em português – português do Brasil, é bom especificar, já que lá o que mais se vê são portugueses legítimos –, e eu, curiosa, comecei a prestar atenção. A filha, para minha surpresa, respondeu ao pai em inglês. Ele continuou a fazer perguntas na nossa língua, e dessa vez a menininha respondeu meia frase em português e o restante novamente em inglês. Como se não bastasse, algumas vezes ela chamava o pai de “papai” e outras de “daddy”. Com muito custo entendi o que ela estava tentando dizer, já que é um pouco complicado acompanhar uma conversa realizada em duas línguas misturadas.

Pouco depois eles se levantaram para descer do ônibus, e o pai prometeu que ia deixá-la brincar com as “dolls” em casa depois que ela desse um “kiss” na “mummy”. Ela concordou, apesar de reclamar que queria “in this right moment”.

Fiquei pensando como devia ser interessante o aprendizado daquela criança. Ela não tinha dois vocabulários na cabeça, assim como temos todos nós que aprendemos português já no berço e que só depois vamos estudar outras línguas. Ela estava aprendendo as duas ao mesmo tempo. O vocabulário dela era um só e englobava as duas línguas. Ela simplesmente devia olhar para o objeto e visualizar o nome algumas vezes em inglês, outras em português. Era mais fácil para ela apenas dizer o que vinha à cabeça do que ficar traduzindo de uma língua para outra.

Não seria mais fácil se a gente também fosse educado dessa forma, aprendendo duas línguas simultaneamente? Com certeza, o mundo estaria ainda mais globalizado se pudéssemos chegar a um país diferente do nosso e não encontrar nenhuma dificuldade na comunicação.

Esse é um sonho distante, talvez impossível. Entender a língua falada em nosso próprio país algumas vezes já é uma tarefa árdua. As gírias, os regionalismos, os erros gramaticais e o desuso de algumas palavras fazem, em certos momentos, nos sentirmos estrangeiros em nossa própria casa.

Pelo menos é o que eu sinto quando meu irmão me chama de “véi”. Ou quando o meu avô dizia que eu era um “colosso”. Ou ao viajar para São Paulo e ter que esperar o “farol” abrir.

Nessas horas entendo muito mais o palavreado da menininha do ônibus. E acho que é bem mais fácil apenas mandar um “kiss” pra você que está lendo “in this right moment” esta crônica.