PAULO CESAR DE OLIVEIRA

Quem vende a mãe

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 17 de outubro de 2017 | 03:00
 
 

Na linguagem da malandragem, identificam-se os mais inescrupulosos como aqueles capazes de vender a própria mãe. Dos que ultrapassam esse limite, quebrando todas as regras éticas da malandragem – sim, entre eles há uma ética –, diz-se que são capazes de vender a mãe e entregar a mãe.

Nesse esquema de delação premiada, o que se vê é muita gente entregando a mãe em troca de generosos benefícios oferecidos pelo Ministério Público ou mesmo pela Polícia Federal. De um lado, gente envolvida, sim; de outro, gente querendo apresentar resultados, às vezes em busca de holofotes, sem se importar com a qualidade do que lhes é oferecido.

Não se deve ser tão ingênuo a ponto de só acreditar naquilo que vem acompanhado de provas materiais. Também não é aconselhável acreditar em tudo que é dito por quem está naufragando, com água até o pescoço.

Se vistas através do tempo, as primeiras delações parecem bem mais consistentes. As últimas, no entanto, têm sido bombásticas e com fatos inverossímeis. Reparem que, ultimamente, têm surgido, aos borbotões, nomes repetidos ou novos de quem recebeu propina. Nada ou muito pouco se fala sobre a origem desse dinheiro. Como ninguém se vende sem que haja um comprador, fica a sensação de que a informação está incompleta ou que, na divulgação, se esteja protegendo alguém.

É preciso tomar cuidado com o encaminhamento dessas delações. Num esquema em que se usa muito o dinheiro vivo e no qual não existem recibos, elas podem ser o único caminho para desmascarar corruptos, especialmente os de mais alto coturno ou chefes das seitas. Mas precisam ser críveis. Transpirar verdade. As suspeitas que possam causar servem apenas aos que são acusados. E fazem a alegria dos advogados que, não tendo como sustentar suas defesas, se agarram ao que pode parecer improvável, para desconstruir o que se sabe de verdade.

Esta deve ser uma preocupação real de quem está à frente das investigações. A pressa na apresentação de resultados, mesmo que seja por medo de um esvaziamento, por ações e pressões políticas, do processo investigatório, não pode impactar a qualidade do apurado, muito menos pode servir de garantia de impunidade a quem se beneficiou de esquema de corrupção, envolvendo desde o desvio de merenda escolar até a compra de refinarias, por meio de denúncias negociadas.

Seguramente, já passamos de uma centena de delações que, em sua maioria, mais premiam os delatores do que ajudam a apontar com segurança os corruptos. Que os responsáveis pelas análises das delações tenham todo o cuidado para não colocar a perder aquilo que pode ser o único elemento de prova disponível. Cuidado também para não serem enganados pelos que vivem no mundo da malandragem, onde, ensina o samba de Bezerra da Silva, “malandro é malandro, mané é mané”. Cuidado para, ao final da história, não serem transformados em manés oficiais.