Manifestações

Cada um na sua

Dentre todos aqueles que manifestaram apoio ao governo de Jair Bolsonaro no feriado da Independência, é nítida a percepção de que são grupos muito distintos

Por Da Redação
Publicado em 14 de setembro de 2021 | 05:00
 
 

Em um passado não muito distante, quando as propagandas de cigarros eram permitidas no Brasil, uma das marcas mais comercializadas tinha um curioso slogan: “Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”.

Tratava-se de um incomum elogio ao individualismo, tendo como única exceção a preferência pela mesma marca de cigarros, e que se ilustrava por imagens de pessoas que estavam juntas e pareciam felizes – porém, sem manterem interação.

Esse anacronismo da década de 1980 é a primeira coisa que vem à mente quando se busca analisar os acontecimentos que tiveram início no dia 7 de setembro último.

Dentre todos aqueles que manifestaram apoio ao governo de Jair Bolsonaro no feriado da Independência, é nítida a percepção de que são grupos muito distintos, que seguem lógicas bem específicas e que não demonstram interesse em convergir para a cooperação.

Observar os discursos de tais grupos leva à percepção de uma constante: referências genéricas “ao Brasil”, seguidas da exposição de pautas particulares, ou muito restritas, como a fórmula para a redenção da nação – enfim, “cada um na sua, mas com alguma coisa em comum” tem mostrado muito mais sentido como diagnóstico sociológico do que como propaganda de cigarros.

A título de exemplo, podemos identificar um grupo que defende valores comportamentais conservadores e que enxerga em Bolsonaro uma expressão política dessa pauta. Esses foram às ruas no dia 7 de setembro com grande festa e algazarra, em êxtase por praticarem uma militância política que até recentemente lhes fora completamente estranha – sob essa ótica, é possível ver um pequeno avanço para a democracia brasileira, já que a participação de todos é um valor por si só. Fisicamente próximos, mas ideologicamente distantes, os saudosos da ditadura também estiveram presentes nas manifestações do dia da Independência: esses queriam apenas cumprir o papel que lhes foi delegado explicitamente por Bolsonaro, que consistia em demonstrar apoio a algum tipo de golpe contra a democracia e os poderes instituídos.

O papel principal coube aos caminhoneiros: aliados de primeira hora, esses viram em Bolsonaro ímpeto e potencial para enfrentar grandes sistemas e ordens econômicas que os prejudicam há anos. Tamanha foi a esperança de uma mudança radical, que os caminhoneiros passaram a apoiar fisicamente até as narrativas mais insólitas criadas pelo núcleo bolsonarista de poder: dentre essas, a de que o Supremo Tribunal Federal concentra os males do país, e um golpe de força contra essa instituição resolveria os problemas do Brasil. Comparecendo em peso a Brasília e bloqueando estradas em 15 Estados, os caminhoneiros foram surpreendidos com a descoberta de que Bolsonaro “está na dele”, e que não compartilha “alguma coisa em comum” com os transportadores.

Para os brasileiros, o aprendizado que deriva do 7 de setembro é um só: Bolsonaro não deve ser levado a sério, pois não se dispõe a levar adiante sequer o discurso radical no qual apostou seu futuro político. Felizmente.