Paulo Diniz

Paulo Ricardo Diniz Filho é doutor em Ciências Sociais e bacharel em relações internacionais e administração pública

Paulo Diniz

Manifesto Brant: documento da história que vivemos

Publicado em: Seg, 07/06/21 - 03h00

No início de março de 2020, o Brasil esperava nervosamente a chegada do coronavírus, com sua população oscilando entre o pânico e a negação. Em Minas Gerais, o mundo político estava em chamas, com o governo de Romeu Zema em rota de colisão com a Assembleia Legislativa. Fatos graves se sucediam e só não tomavam a primeira página dos jornais porque a conjuntura sanitária mundial não permitia.

Ao permitir aumento salarial aos servidores militares, no dia 11 de março, Zema desautorizou subitamente as tratativas que vinham sendo levadas a cabo por seu secretário de Governo junto aos deputados, em movimento que lhe custou a confiança do Legislativo e a continuidade no governo de seu experiente articulador político, Bilac Pinto.

Enquanto deputados opositores exigiam a renúncia de Zema, o posicionamento de sua reduzida base de apoio parlamentar não era mais animador: líder do bloco governista, o deputado Gustavo Valadares declarou em redes sociais que ocorria o “início do fim” do governo, sendo que a própria continuidade do apoio a Zema ainda seria reavaliada. Diante da crise política, nenhuma mudança de atitude ou sinal de compromisso partiu do governo; crescia a impressão, por parte de muitos deputados, de que Zema desafiava abertamente o Poder Legislativo.

Antes que o dia 11 de março terminasse, o vice-governador Paulo Brant se manifestou, publicando uma contundente carta de desfiliação do Partido Novo e anunciando sua disponibilidade para o diálogo com todos os partidos e forças políticas. Tal comunicado tem peso histórico e merece designação que reflita sua importância como a mais lúcida descrição do atual governo mineiro – em interpretação mais ampla, um retrato da geração de políticos que emergiu das urnas em 2018.

O Manifesto Brant expôs a forma dogmática, isolacionista e quase paranoica a partir da qual o núcleo do governo Zema enxerga o mundo político como um todo. Mais do que não conhecer e entender a política, a cúpula novista refuga qualquer chance de aprendizado, buscando asilo na zona de conforto dos slogans de campanha. Polido e sagaz como nenhum outro membro da atual gestão, Brant não usou termos tão óbvios quanto os do presente artigo, mas deixou essa mesma mensagem bem evidente.

Em uma fina digressão conceitual, Brant lembrava que a legitimidade eleitoral está vinculada à figura pessoal do governador, e não ao partido que o abriga – aliás, de desempenho pífio na eleição legislativa de 2018. Com isso, Paulo Brant convidava seu companheiro de chapa a abandonar os grilhões partidários e a se lançar de braços abertos na centenária política mineira.

Dias depois, a chegada da pandemia ao país sustou bruscamente essa trama eletrizante, dando sobrevida política a um governo cambaleante. O Manifesto Brant, entretanto, segue atual como registro do momento de negação da política e da democracia que marca o país; merece ser lido com atenção nos dias de hoje.

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