Música, cultura, história e política caminham juntos, refletindo uns aos outros. Há quem diga que ocorre uma relação de determinação, com a política ditando a música, ou mesmo com o contrário acontecendo.
Na década de 1970, o Brasil vivenciava a vitória definitiva do regime militar e a inutilidade da rebeldia que havia marcado a década anterior. Diante disso, restava a opção de se rejeitar tudo e todos – da conjuntura política do país, até o sistema de vida contemporâneo. Não se tratava de uma crítica feroz, acompanhada da proposta de novos sistemas de vida coletiva, nada disso: o que se retratava era o cansaço generalizado, assim como desejo pela simplicidade e tranquilidade.
O maior representante desse espírito foi o chamado “rock rural”, movimento musical que teve no trio baiano Sá, Rodrix e Guarabira seus maiores expoentes. Em 1973 lançaram a canção “O pó da estrada”, que dá sentido à aventura de se andar pelo mundo – esvaziando, com isso, todo o valor das disputas que o ser humano se empenha tanto em vencer, sempre em oposição a seu semelhante.
Esse tipo de “desencanto otimista” parece ter ressurgido nos dias atuais, por meio da figura cada vez mais comum dos viajantes profissionais. Quem fizer a experiência de acompanhar um desses viajantes em qualquer rede social, logo ficará surpreso com o grande número de perfis de outros viajantes que passarão a ser indicados pelo algoritmo dessa rede social.
Cada vez mais, há brasileiros que abandonam tudo e fazem de suas vidas uma estrada sem fim: famílias inteiras em trailers, jovens casais em motos, em bicicletas e até mesmo indivíduos que caminham sozinhos pelo mundo. Alguns vão rumo a algum destino especial, enquanto outros simplesmente declaram o desejo de viver na estrada, buscando na caminhada o seu motivo de ser. A internet glamouriza a opção de vida dessas pessoas, celebrando-os como algo entre aventureiros e turismólogos – mas, observando com atenção, o que se destaca é o desejo de fuga em relação à sociedade e às obrigações cotidianas.
O sociólogo francês Èmile Durkheim, um dos primeiros observadores científicos do comportamento humano coletivo, no início do século XX, batizou como anomia social às situações nas quais os símbolos e regras sociais começam a perder sentido para um número cada vez maior de pessoas. Nesses casos, registram-se comportamentos extremos com frequência cada vez maior, destacando-se a violência gratuita – mas também a fuga pura e simples, para longe de um sistema social no qual não se enxerga mais sentido.
É possível que estejamos vivendo, especialmente no Brasil, um momento de anomia social decorrente do excesso de informações e conexões proporcionados pelo mundo virtual – mas, principalmente, derivado também da sucessão de crises econômicas, sanitárias e políticas que nos abatem há uma década. Talvez por isso, cada vez mais brasileiros abandonam seus papéis na sociedade em troca da poeira das estradas. Ao que parece, até mesmo a enorme resiliência dos brasileiros tem limite.