PAULO DINIZ

Senhora dos Remédios

A fanfarra de Elon Musk contra o ministro do STF Alexandre de Moraes serviu para atiçar o debate sobre os limites do Poder Judiciário no Brasil

Por Paulo Diniz
Publicado em 23 de abril de 2024 | 06:00
 
 

A fanfarra de Elon Musk contra o ministro do STF Alexandre de Moraes serviu para atiçar o debate sobre os limites do Poder Judiciário no Brasil – algo que vinha ganhando força nos últimos meses. Por exemplo, o julgamento no STF a respeito da descriminalização do porte de drogas motivou reação do Senado.

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, figura moderada e afeita ao universo jurídico, propôs projeto de emenda à Constituição que proíbe explicitamente o porte e posse de drogas, que acaba de ser aprovado em segundo turno. Pacheco declarou que a decisão sobre esse tema cabe à sociedade, por meio do Legislativo, e não ao Judiciário.

Antes que a presente discussão derive para as nuances do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, surge uma manchete que atropela a questão como uma locomotiva. Na pequena cidade mineira de Senhora dos Remédios, a tradicional exposição agropecuária teve recentemente suas principais atrações musicais canceladas por decisão do Judiciário. Esse Poder decidiu que os dois shows contratados pela prefeitura eram caros demais e, portanto, não deveriam ocorrer.

O critério utilizado foi o gasto combinado, nos três anos anteriores, em atividades culturais por parte da prefeitura – esse valor, somado, seria inferior ao preço dos dois shows contratados em 2024. Segundo essa lógica, portanto, deveria ser gasto no ano corrente um valor aproximado daquele que constituiu o padrão de despesa com eventos culturais entre 2021 e 2023.

Há muitos pontos positivos nesse ocorrido, mas nenhum é capaz de validar a atitude do Judiciário, que tomou para si os poderes do Executivo e do Legislativo. Com isso, o exercício da democracia foi sufocado em sua raiz mais primal – as pequenas comunidades. Não custa lembrar que uma escolha ruim, por parte do Executivo, não é necessariamente ilegal ou imoral – é apenas uma escolha ruim.

É significativo que o maior gasto em cultura em Senhora dos Remédios se dê no último ano de gestão, um ano eleitoral. Ainda assim, esse quadro é preferível em relação à imposição de um inédito “teto de gastos” nas despesas culturais da prefeitura, que deforma o processo orçamentário do município – proposto e aprovado, respectivamente, pelo Executivo e Legislativo locais.

Também há de pensar que uma cidade de pequeno porte poderia usar de várias outras formas os cerca de R$ 600 mil que haviam sido comprometidos com o custeio dos shows. Porém, nem nos regimes mais totalitários cabia a apenas uma pessoa a tarefa de definir as prioridades de ação do poder público.

Gestores públicos e representantes da população eleitos são passíveis de erros e nem por isso perdem seu respaldo democrático. Tais erros devem ser corrigidos pelos mesmos caminhos democráticos que os originaram, ou então passam a servir de exemplo para o contínuo processo de aprendizado que faz parte da democracia.

É urgente que os agentes do Poder Judiciário recolham-se a seu papel social, obedientes, penitentes e constritos, ajoelhados diante do altar da democracia.