Paulo Paiva

Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras

A Argentina, o real e seus fantasmas

Publicado em: Sex, 05/07/19 - 03h00

Contra o Peru o Brasil fará a final da Copa América, pensando em exorcizar o fantasma do “Maracanazo” que ainda assombra o país, inclusive 94% dos brasileiros que nem nascidos eram naquele fatídico 16 de julho de 1950.

Na terça-feira, ao eliminar a Argentina aqui, em BH, a seleção exorcizou o fantasma recente dos 7 a 1, que habitava no Mineirão desde 2014. Adeus, fantasmas.

Gabriel Jesus e Artur, que foram tão decisivos na vitória brasileira, não eram ainda nascidos em 1993, quando a Argentina conquistou no Equador sua última competição internacional, também a Copa América.

Gabriel Jesus e Artur fazem parte dos 38% de brasileiros que nasceram após o real e nunca viveram no ambiente de hiperinflação. Se a esse contingente somarmos aqueles que, em 1994, tinham até 15 anos, onde se incluem todos os jogadores da seleção, veremos que 62% dos brasileiros hoje não conheceram, de fato, o país anterior a 1994, dos descontroles de preços. É a geração pós-real.

Quando a Argentina conquistou pela última vez a Copa América, a inflação anual naquele país era de 10,7% e, no ano seguinte, de apenas 4,1%. Parecia que a inflação havia sido domada lá. Aqui, ao contrário, atingia 1.581%, em julho de 1993, e, um ano depois, já havia ultrapassado 4.000%. No entanto, o Plano Real promoveu a estabilização monetária.

No futebol as diferenças entre os dois países ampliaram-se. No ano da implantação do real, o Brasil conquistou a Copa do Mundo, nos Estados Unidos, em emocionante decisão nos pênaltis contra a Itália. Mas, do seu lado, a Argentina sofreu o drama do fim de Maradona, suspenso por uso de efedrina. “Cortaram minhas pernas, tenho a alma destroçada”, chorou o craque no seu último ato. A Argentina nunca mais foi a mesma, nem no futebol, nem na economia.

Com o Plano Real e suas consequências, o Brasil domou a inflação e conseguiu um período de crescimento econômico e geração de empregos. Conquistou mais uma Copa do Mundo, em 2002, se distanciando da Argentina no ranking mundial.

Embora tenha Messi, o melhor jogador do mundo, e um grupo promissor, a Argentina sofre sem títulos internacionais.

A inflação na Argentina voltou a crescer e já passa dos 55% anuais, e o PIB está estagnado. Todo o sacrifício da estabilização foi perdido. No Brasil, a inflação continua baixa e aparentemente controlada, mas a economia também está estagnada.

Agora, o fantasma do desequilíbrio fiscal ronda os dois países. Se não exorcizado, adeus, estabilidade, que não é dádiva, mas é conquistada dia a dia.

Aqui, a geração pós-real tardiamente conhecerá o fantasma da hiperinflação se reformas não forem feitas para conter a dívida pública. Que as conquistas nos campos de futebol estimulem as conquistas no campo econômico para a realização dos sonhos de milhares de jovens, como Gabriel Jesus e Artur.

Lá e cá, presidente e futebol são uma mistura tóxica para a economia.

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