Corrupção

A carta de Penido

A operação Lava-Jato, que completaria, neste ano, uma década de combate à corrupção, terminou esquartejada...

Por Paulo Paiva
Publicado em 22 de março de 2024 | 06:00
 
 
Operação Lava Jato Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A operação Lava-Jato, que completaria, neste ano, uma década de combate à corrupção, terminou esquartejada, e seus pedaços enterrados em tristes funerais nos arquivos de tribunais vazios, sem choros ou lamentações e sem manifestações de saudades post-mortem. Com ela, foram apagadas as provas de apartamento e malas abarrotados de dinheiro, de paredes falsas escondendo obras de artes, de contas no exterior e de páginas e mais páginas de depoimentos reveladores das relações criminosas entre políticos, agentes públicos, empresário e executivos.

Uma das boas consequências da operação Lava-Jato foi a aprovação da Lei 13.303/16, que estabeleceu um novo marco legal para aprimorar a governança das empresas estatais e públicas, exigindo parâmetros mínimos de qualificação para os executivos e membros dos conselhos de administração, e fixando também as condições para que as empresas, ademais de suas atribuições finalísticas próprias e de sua sustentabilidade econômico-financeira, se orientem por sua função social de realização do interesse coletivo ou do atendimento do imperativo da segurança nacional (art. 27º), ao invés de se orientarem pelos interesses políticos do governo.

Corrupção não é o único caso de impropriedade nas relações perigosas entre os setores público e privado. Fatos recentes dão conta de tentativas de interferência do governo Lula na administração da Petrobrás, empresa estatal, e da Vale, empresa privatizada em 1977, expondo a vulnerabilidade da governança corporativa.

Porque os gestores indicados pelo governo podem agir, também, em função dos interesses do governo, os conflitos de agência – quando os administradores que representam o principal acionista da empresa usam seus poderes para agir com objetivos próprios – são mais agudos nas empresas sob controle público. Caso especial de duplo conflito de agência.

Mudanças intempestivas em representantes do governo no conselho de administração da Petrobrás não se tratam de uma simples questão de forma – se há ou não provisão legal para substituição -, mas de má prática de governança corporativa, respondida imediatamente pelo mercado por meio da queda no preço das ações da empresa.

No caso da Vale, empresa privatizada em 1997, a ousadia foi ainda maior, na busca de influir na mudança do seu CEO. Em sua carta-renúncia, o conselheiro independente, José Luciano Penido, executivo de alta reputação no mercado, aponta que a condução da substituição do CEO está manipulada, não atende “ao melhor interesse da empresa, sofre evidente e nefasta influência política” e, por fim, Penido desacredita da “honestidade de propósito de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation”.

Nem privatizações, nem normas de boa governança serão capazes de conter a sanha intervencionista de Lula. A lei não substitui a moral.