PAULO PAIVA

Adeus, professor

Amante da música clássica, sempre ligada no seu carro, e do bom vinho, Affonso Pastore tinha verdadeira paixão pela vida

Por Paulo Paiva
Publicado em 23 de fevereiro de 2024 | 06:00
 
 

Tem notícias que resistimos a receber, embora sejam inevitáveis. Muito cedo, na manhã da quarta-feira passada, meu celular tocou. Paulo Brant buscava a confirmação da morte do professor Affonso Pastore. Mesmo sabendo da gravidade de seu estado de saúde, resistia a pensar em sua morte prematura. Minha imediata conversa com Cristina Pinotti, sua esposa, confirmou o fato. Pastore partiu.

Em “Erros do Passado, Soluções para o Futuro” (2021), Pastore examina como a herança das escolhas de políticas econômicas no século XX condicionou as opções de hoje. Seu rigor analítico, sua criatividade e seu compromisso com o debate econômico, ao qual dedicou mais de meio século de ativa vida acadêmica, são seus principais legados para o pensamento sobre a economia brasileira.

Suas análises contribuíram para que a pesquisa econômica neste país se baseasse em testes de hipóteses, suportadas por evidências empíricas, vis a vis a antiga tradição das narrativas, como lembrou Marcos Lisboa, na celebração dos seus 80 anos. Sua tese de doutorado, “A resposta da produção agrícola aos preços no Brasil” (1969), teve impacto fundamental na forma como tratar a agricultura, influenciando as pesquisas da Embrapa. E sua participação ativa nos debates recentes sobre política macroeconômica é referência para o entendimento das relações entre crescimento, desequilíbrio fiscal e taxa de juros. Nunca deixou de pesquisar. Estava, em companhia de Cristina, estudando mais profundamente os impactos das instituições nas decisões de política econômica.

Sobretudo, quero lembrar o amigo, professor Pastore, que não desistia de pensar sobre o futuro do Brasil, sem preconceitos, com otimismo, esperança e ponderação. As reuniões trimestrais da ACPastore Consultoria eram verdadeiras aulas de macroeconomia e de apurada análise da economia de hoje e de suas tendências. Mais do que clientes, seus contratantes eram seus atentos alunos.

Amante da música clássica, sempre ligada no seu carro, e do bom vinho, tinha verdadeira paixão pela vida. São memoráveis nossas conversas, sempre com a participação de Cristina, a fina ironia e o sorriso desse paulistano, legítimo descendente italiano, torcedor do São Paulo.

Repito aqui os versos de Carlos Drummond de Andrade a um amigo ausente: “Tenho razão para sentir saudade de ti,/ de nossa convivência em falas camaradas,/ simples apertar de mãos, nem isso, voz/ modulando sílabas conhecidas e banais/que eram sempre certeza e segurança./ Sim, tenho saudades./ Sim, acuso-te porque fizeste/ o não previsto nas leis da amizade e da natureza/nem nos deixaste sequer o direito de indagar/porque o fizeste, porque te foste”.

Retribuo a você, caro Affonso, como minha, sua dedicatória deixada em “Erros do Passado, Soluções para o Futuro”: “Conversando com você, sempre aprendi”. Adeus, professor.