PAULO PAIVA

Falsos dilemas

É desalentador assistir, nesse momento de dor, ao governo, sem foco, apontar falsos dilemas, em vez de enfrentar com firmeza os reais dilemas do país.

Por Da Redação
Publicado em 04 de setembro de 2020 | 03:00
 
 

Após ter caído 2,5% no primeiro trimestre, a economia retraiu 9,7% no segundo, entrando em profunda recessão. Dramático resultado do impacto da pandemia, mais vigoroso a partir de abril, e das respostas desastradas das autoridades brasileiras, ora batendo cabeças, ora ignorando o perigo, ora agindo como desentendidos. Até agora mais de 120 mil mortos e 40 milhões de pessoas entre desempregadas e aquelas que sobrevivem em atividades informais precárias. E, sobretudo, medo, incertezas e insegurança sobre o futuro.

O consumo das famílias, que responde por 65% da formação do PIB, no conceito de demanda, caiu 12,5%, correspondendo, pelo lado da oferta, a grandes quedas na indústria de transformação (-17,5%), no setor de transportes (-19,3%), nos serviços às famílias (-19,8%) e no comércio (-13,0%).

Segundo estimativas da Fundação Getulio Vargas, neste ano o PIB per capita deverá contrair-se 6,1%. Essa será a maior queda dos últimos 120 anos. Superará os níveis das recessões nas administrações Dilma (-3,0%) e Collor (-4,3%) e, até mesmo, da gripe espanhola (-2,0%).

É desalentador assistir, nesse momento de dor, ao governo, sem foco, apontar falsos dilemas, em vez de enfrentar com firmeza os reais dilemas do país. Aponto aqui dois exemplos.

No início da pandemia, o presidente propôs a escolha entre salvar vidas ou salvar a economia. Falso, porque o dilema nunca foi esse. Vida não tem preço. O inimigo a ser batido era a Covid-19. Quando mais eficaz fosse seu controle, mais cedo a economia voltaria a crescer. Falta de coordenação e conflitos entre autoridades e orientações resultaram em prejuízos maiores.

Agora, Bolsonaro apresenta outro falso dilema ao recusar a extinção do abono salarial para financiar parte do programa Renda Brasil, dizendo não poder “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. O abono salarial beneficia com um salário mínimo os trabalhadores do setor formal, com carteira assinada há mais de dois anos, que recebem até dois salários mínimos e que têm a proteção da legislação trabalhista, enquanto o Renda Brasil beneficiaria milhares de pessoas, desempregadas ou engajadas em atividades precárias sem renda garantida, afetadas diretamente pela crise, e teria, ainda, efeitos positivos sobre a economia, como aconteceu com o auxílio emergencial. Então, qual opção traria maior retorno social?

Se o governo quer proteger os mais desvalidos e aumentar o consumo das famílias, a opção justa seria eliminar os privilégios para pessoas mais bem-aquinhoadas, tais como as isenções no imposto de renda para saúde e educação, os subsídios para atividades econômicas sem retorno social e o abono salarial. Assim, haveria mais recursos no Orçamento da União para um programa de transferência de renda mais robusto.

As escolhas do governo devem ser sempre pautadas pela busca do bem-estar da maioria da população. Por que não fazer as escolhas certas?