Escandâlos

Palaciada desatinada

O crime compensa porque no final a Justiça está aí para livrar todo mundo e ainda suspender “acordos de leniência

Por Paulo Paiva
Publicado em 16 de fevereiro de 2024 | 05:00
 
 

Sem surpresas o país recebeu as informações divulgadas no âmbito da operação Tempus Veritatias, que foi às ruas para fazer apreensão de provas possíveis, prender auxiliares e evitar a fuga do ex-presidente Jair Bolsonaro, retendo seu passaporte. Tudo porque há indícios de que ele comandou uma tentativa fracassada de golpe de Estado, quando era presidente.

Nos últimos anos essas operações no alvorecer do dia contra autoridades e políticos tornaram-se tão comuns que aviões e ônibus, repartições públicas e escolas, continuam cumprindo seus horários; os hospitais continuam atendendo ao público e os bandidos, cometendo seus crimes; as cadeias continuam cheias e os namorados, se beijando nas praias. Nenhuma movimentação nos quartéis. Tudo, neste país, continua funcionando normalmente, mesmo quando se trata de buscas na casa de um ex-presidente.

Em 12.6.2016, o site G1, estampando foto sorridente da ex-presidente Dilma, noticiava “Palácio da Alvorada vira ‘bunker’ de Dilma, no primeiro mês de afastamento”, enquanto a presidente aguardava o desfecho do processo de seu impeachment. Em 7.4.2018, o mesmo site anunciava “Luiz Inácio Lula da Silva é o primeiro ex-presidente preso por crime comum”. E, em 21.2.2019, foi a vez da foto do ex-presidente Temer também aparecer site G1, junto à matéria: “Temer é o segundo ex-presidente do Brasil preso por crime comum”.

Hoje todos estão livres. Lula voltou à Presidência pelo voto popular, Dilma preside o banco dos Brics, na China, e Temer retornou à sua bem remunerada banca de advogado. Bolsonaro continua sonhando em voltar a morar no Alvorada.

Nos últimos anos, quem ocupa o Palácio do Planalto não faz outra coisa senão pensar na sua continuidade. Uns, por meio da farra da corrupção. Haja mensalão e Lava Jato e “otras cositas más” para elegê-los. Outro, por tentativas de golpe à antiga. Com apoio das Forças Armadas, quartelada. Sem esse apoio, palaciada. Coisa mais démodé.

As informações divulgadas pela PF não trazem novidades relevantes. As discussões para realizar o golpe foram frequentes nas reuniões palacianas, com palavras chulas, sem pudor e sem censura. Até os elevadores sabiam.

Novidade mesmo foi encontrar, na sede do Partido Liberal, em Brasília, no dia 8 deste mês, na mesa do ex-presidente Bolsonaro, uma minuta do decreto de Estado de Sítio – fato confirmado pelos seus advogados –, que somente poderia ter sido baixando quando Bolsonaro ainda exercia a Presidência da República, até o dia 31 de dezembro de 2023. Por que manter prova de crime que fracassou? Desatinou?

Pois bem, o crime compensa porque no final a Justiça está aí para livrar todo mundo e ainda suspender “acordos de leniência”. Os mais otimistas, com estabilidade em cargos com altíssimas remunerações no Poder Judiciário, continuam dizendo que, no Brasil, as instituições estão funcionando. Perdeu Mané, não amola.