Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

A arquitetura da política econômica

Publicado em: Qui, 07/11/19 - 03h00

Formular e executar uma política econômica é antes de tudo um exercício de engenho intuitivo e arte política, não apenas de conhecimento científico. Principalmente quando a economia se encontra contaminada por decisões problemáticas assumidas nas políticas econômicas passadas, quando o entorno da economia nacional é constituído por um campo de incertezas na economia global, quando a economia se configura como um conjunto complexo e divergente de interesses de grupos sociais, de setores produtivos e de regiões.

O engenho intuitivo se manifesta quando da difícil escolha, entre diferentes escolas de pensamento econômico, da trajetória de política econômica mais adequada em cada contexto específico, em termos de sequenciamento e de intensidade dos diferentes instrumentos econômicos e mecanismos institucionais a serem adotados. A arte política se manifesta quando necessário se faz negociar e compensar, num ambiente de restrições e oportunidades, conflitos de interesses contraditórios.

O grande risco ocorre quando, nesse imbróglio de questões socioeconômicas e socioambientais interdependentes e que se retroalimentam, os responsáveis pela arquitetura das políticas econômicas selecionam apenas alguns poucos objetivos a serem implementados, atribuindo-lhes um poder virtual de equacionar todos os demais objetivos restantes para promover o desenvolvimento da sociedade. É o que tem ocorrido com a política fiscal expansionista adotada no último quinquênio no Brasil. A sua proposta se resume a: reorganize as finanças do governo eliminando déficits primários e previdenciários por meio de algumas reformas político-institucionais pró-mercado, daí o crescimento econômico e a geração de renda e emprego virão por acréscimo, induzidos pelo clima de confiança e de expectativas favoráveis entre os diferentes protagonistas econômicos que produzem, que consomem, que investem. O futuro da economia estaria, assim, escrito nas reformas do presente.

Tudo isso é, contudo, uma hipótese que pode não acontecer. A experiência histórica do Brasil e de diversos países do mundo mostra que o processo de crescimento econômico não é um subproduto cronológico da estabilidade econômica. Estratégias específicas de crescimento são indispensáveis, entendendo-se por uma estratégia de crescimento políticas econômicas e arranjos institucionais mais subjacentes para desencadear um ciclo de expansão da economia, sustentando o seu dinamismo e adotando com resiliência a choques internos e externos ao longo do tempo.

O que mais preocupa é o descompasso na cadência entre o tempo econômico e o tempo político. Uma política econômica centrada apenas em realizar reformas visando a uma austeridade fiscal expansionista consome muito tempo, pois ela envolve ações político-institucionais para dirimir e conciliar conflitos de interesses e de direitos que se sedimentaram ao longo de décadas. Enquanto os seus resultados finalísticos avançam lentamente, a dinâmica de outros processos sociais e políticos avança celeremente. A cada nova Pnad Contínua se aprofundam os indicadores do empobrecimento da população, do aumento do desemprego aberto e da informalidade nos mercados de trabalho, da perversa concentração da renda e da riqueza nacional.

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