PAULO HADDAD

A certificação de origem

É preciso promover o descolamento do agronegócio da imagem de uma agropecuária destrutiva dos valores da natureza

Por Da Redação
Publicado em 05 de setembro de 2019 | 03:00
 
 

Karl Popper, um dos maiores filósofos da ciência do século XX, alertava que as pessoas, ao assumirem posição relevante no processo decisório de governo, precisam estar atentas às possibilidades de provocar grandes danos e desastres aos legítimos interesses da população e da economia, mesmo que tenham a intenção de promover o bem comum. Esses danos e desastres podem ser causados por decisores desinformados sobre o que e como fazer quanto às políticas públicas, aos efeitos colaterais e inesperados das suas decisões e, principalmente, às concepções e ideologias historicamente superadas que habitam as suas estruturas mentais.

A postura doutrinária da atual administração do governo federal diante da questão do uso dos recursos naturais da Amazônia, enfraquecendo politicamente as instituições públicas responsáveis pelo comando e controle das políticas ambientais na região, tem estimulado os danos ecológicos dos atuais incêndios e queimadas, lado a lado com os impactos das mudanças climáticas que têm raízes históricas e variações tipicamente exógenas. Nessa situação, há duas questões básicas: uma concepção equivocada sobre o meio ambiente e os impactos adversos sobre a dinâmica do agronegócio brasileiro.

Em primeiro lugar, o meio ambiente tem sido tratado como um mega-almoxarifado de recursos naturais de acesso livre e, ao mesmo tempo, um megalixão onde são depositados os resíduos e dejetos dos processos de consumo e de produção. Não se adota a concepção contemporânea de que o meio ambiente é um capital natural, um ativo que presta serviços à sociedade, que impacta positivamente a produtividade total dos fatores de produção e o bem-estar social sustentável da população. Um ativo que precisa ser conservado, preservado e reabilitado para as presentes e futuras gerações.

Em segundo lugar, a ocupação predatória dos recursos ambientais da Amazônia por grileiros, produtores rurais, madeireiros, garimpeiros etc. tem afetado negativamente a consolidação e a expansão do agronegócio brasileiro, que é confundido, por desinformação ou por malícia, com a agropecuária tradicional, responsável pelos incêndios e queimadas na Amazônia, por meio de processos produtivos e práticas agrícolas aportados do período colonial. Na verdade, o agronegócio é o maior responsável pela formação dos superávits na balança comercial brasileira, por sustentar poderosas cadeias de valor econômico, pela geração de emprego e renda em áreas menos desenvolvidas e, principalmente, por reduzir sensivelmente o custo da cesta básica da população mais pobre do nosso país. Sem os excelentes resultados econômicos do agronegócio, a recessão de 2014 teria se transformado numa profunda depressão econômica.

A forma mais expedita para promover o descolamento do agronegócio da imagem de uma agropecuária destrutiva dos valores da natureza é a adoção, pelo próprio agronegócio, de uma estratégia de diferenciação dos seus produtos para seus diversos segmentos produtivos, por meio de rigoroso processo de certificação de origem (café do Sul de Minas, soja do Centro-Norte do Mato Grosso, carne bovina do Triângulo Mineiro, carne suína do Oeste Catarinense etc.), deixando à margem do capitalismo moderno os produtores rurais que atuam na ilegalidade das relações sociais, econômicas e ambientais prevalecentes, ainda que sob a complacência das autoridades públicas brasileiras.