O ano de 2019 está perdido em termos de crescimento econômico do Brasil. A taxa de expansão do PIB per capita poderá até mesmo ter um valor negativo ao final do ano. De onde poderá vir o impulso para a retomada do crescimento da renda e dos empregos dos brasileiros?
O nível das exportações tende a ficar semiestagnado diante da onda protecionista e das tensões político-comerciais que atualmente assolam a economia mundial. Os recorrentes cortes nos gastos dos três níveis de governo têm multiplicado para baixo o ritmo de crescimento. Diferentes setores produtivos estão com elevados indicadores de capacidade ociosa de mão de obra, de equipamentos e de instalações, à espera de um melhor momento para realizar os seus investimentos.
Poderá o consumo das famílias alavancar a demanda agregada da economia, sendo que ele representa cerca de 70% dessa demanda? Para avaliar por que o consumo privado não tem se dinamizado, é preciso compreender o conceito de renda discricionária das contas sociais de um país.
A renda discricionária das famílias é a renda disponível após a retirada dos compromissos com os pagamentos de amortizações e serviços das dívidas, a qual permite algum grau de discrição ou de liberdade sobre o destino de seus gastos. O valor da renda discricionária é maior ou menor dependendo do grau de endividamento das famílias e dos custos dos serviços de suas dívidas.
Os últimos dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostram que o endividamento das famílias brasileiras, em relação à renda acumulada em 12 meses, subiu para 44% em maio, o maior nível nos três últimos anos. Segundo o Banco Central, a parcela da renda disponível usada para pagamento de dívidas (amortização, juros), incluindo financiamentos imobiliários, está em torno de 20%, três a quatro vezes maior do que o comprometimento da renda familiar em países de economia estável. Entre as famílias endividadas, um quinto já dedica mais de 50% da sua renda para o pagamento de dívidas.
Como uma boa parcela do endividamento familiar ocorre em cartões de crédito e em cheque especial, com suas taxas escorchantes, pergunta-se: seriam as famílias brasileiras irresponsáveis a ponto de assumirem dívidas a taxas de juros que podem oscilar em torno de 200% ao ano?
Nos EUA, o Índice de Segurança Financeira mostrou que, em 2018, 61% dos norte-americanos não tinham como resolver uma despesa de emergência ou extraordinária de US$ 1.000 sem se endividarem. Para o Federal Reserve Board, em 2017, quatro em cada dez adultos, ao enfrentarem uma despesa inesperada (de saúde, educação, alimentação etc.) de US$ 400 não teriam como cobri-la ou somente poderiam cobri-la vendendo algum ativo (ações, imóveis etc.) ou tomando dinheiro emprestado.
Se esse tipo de pesquisa fosse realizado junto às famílias brasileiras, ficaria claro que, frequentemente, se endividam para atender às suas necessidades básicas e que é muito baixo seu Índice de Segurança Financeira. Igualmente seriam baixos os valores de despesas adicionais que, ao longo de cada mês, as levam involuntariamente ao endividamento por não dispor de poupanças ou de ativos para venda. Num contexto em que as perspectivas de crescimento do emprego e da renda não são promissoras, a renda discricionária das famílias brasileiras está, pois, inibindo a expansão do consumo privado.