PAULO HADDAD

Ideias e interesses

As experiências de vários programas de austeridade em diferentes países, quando envolvem reformas político-institucionais, podem exigir um longo tempo para gerar resultados positivos

Por Da Redação
Publicado em 30 de julho de 2020 | 03:00
 
 

James Kwak, professor na Universidade de Connecticut, procura em seu último livro estabelecer a relação entre as ideias e os interesses. Para ele, as ideias podem formatar a história, mas raramente o fazem por si só. Ideias ganham poder precisamente quando se tornam úteis para um importante segmento da sociedade, quando dão suporte aos interesses desse grupo ou lhes fornecem uma interpretação favorável do mundo. Para serem armas eficazes na “batalha de interesses conflitantes”, devem ser mais do que brilhantes e perspicazes. Devem ser refinadas numa forma facilmente compreensível, aplicadas em questões que interessem às pessoas e repetidas através de múltiplos canais para diversos públicos até que pareçam evidentemente óbvias.

Vejamos a ideia que fundamenta a atual política econômica do governo federal. Basicamente, o que se propõe é o ajuste das finanças públicas através da redução dos déficits fiscais na expectativa de que, com maior equilíbrio nas contas públicas e minimização da presença do Estado na economia, haja ambiente de maior eficiência econômica para a retomada do crescimento. Para isso a austeridade fiscal deverá ser realizada através de três reformas político-institucionais, além de privatizações e concessões de empresas e autarquias sob o controle do poder público.

Embora uma economia estável seja de interesse óbvio de todos os grupos de uma sociedade, a ideia de austeridade fiscal é de particular interesse dos grupos de rentistas que financiam, direta ou indiretamente, a dívida pública do governo federal. Quanto mais eficaz o ajuste das contas públicas, menor tenderá a ser o risco e a incerteza de inadimplência financeira do governo. Contudo, riscos e incertezas podem migrar para outros grupos da sociedade por vários motivos que questionam a eficiência da política econômica.

As experiências de vários programas de austeridade em diferentes países, quando envolvem reformas político-institucionais, podem exigir um longo tempo para gerar resultados positivos, o que pode significar maior resiliência nos indicadores de desemprego, de pobreza e de miséria social. E, se essa delonga no tempo da economia for incompatível com o tempo político dos brasileiros insatisfeitos, desalentados e propensos a mobilizações e rebeliões sociais?

É bastante provável que a atual pandemia de coronavírus deixe, como uma de suas dramáticas mazelas, um crescente empobrecimento da classe média e um inchaço no número de brasileiros pobres e miseráveis, agravando a já concentrada distribuição de renda e de riqueza no país. E se o esgarçamento do tecido social provocar também o esgarçamento de nossas instituições?

Há grande probabilidade de que, no período pós-pandemia, a taxa de desemprego entre os jovens brasileiros ultrapasse 30%. Um país se desenvolve quando consegue ampliar o campo de oportunidades para a sua juventude realizar os seus projetos de vida. E se persistir, por um prazo muito longo, um imenso bolsão de jovens desempregados, excluídos socialmente e predispostos a um ponto de ruptura política?

Alan Blinder, professor da Universidade de Princeton, afirma que o elevado nível de desemprego representa um desperdício colossal dos recursos de uma sociedade e que não se pode ter complacência com uma política econômica que procura melhorar a eficiência econômica ignorando a maior de todas as ineficiências: o desemprego.