PAULO HADDAD

O capitalismo mora no campo

Com esse avanço da agropecuária, tende a ficar na poeira da história a agricultura tradicional, que desmata e queima predatoriamente o meio ambiente, que pratica relações sociais de produção pré-capitalistas

Por Da Redação
Publicado em 03 de outubro de 2019 | 03:00
 
 

O capitalismo é um regime econômico que progride através dos ciclos de inovações. Em 1910, o pensador austríaco Joseph Schumpeter definiu cinco casos de inovações: introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem; introdução de um novo método de produção; abertura de um novo mercado; conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados; estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria. O tipo de mudança a que se refere Schumpeter é a que emerge, endogenamente, de dentro do sistema, que desloca de tal modo o seu ponto de equilíbrio que o novo não pode ser alcançado a partir do antigo mediante passos infinitesimais. “Adicione sucessivamente quantas diligências quiser, com isso nunca terá uma estrada de ferro”.

No Brasil, enquanto o governo federal não estrutura e implementa uma política visando a instrumentalizar incentivos efetivos à atualização das indústrias brasileiras, o progresso tecnológico vai avançando no campo. A evolução das inovações industriais tem uma história econômica bem-sucedida. Iniciou-se com o processo de substituição de importações, aprofundou-se com o Plano de Metas do presidente JK, se reestruturou, a partir dos anos 1990, com o processo de globalização da economia brasileira. Atualmente, a indústria brasileira se encontra financeiramente fragilizada após o pior quinquênio de estagnação econômica desde 1929, num processo de “aggiornamento” interrompido.

Por outro lado, a partir dos anos 1970, o Brasil vivenciou, sob a liderança do ministro Alysson Paolinelli, uma revolução na agropecuária, a qual, a partir do conhecimento científico e tecnológico incubado nas universidades, desencadeou um processo progressivo e contínuo de inovações schumpeterianas no campo.

O evento mais destacado dessa revolução verde foi a grande mudança dos Cerrados brasileiros de um recurso físico sem valor econômico em um fator econômico de altíssima produtividade e competitivo globalmente, que tem sido capaz de mobilizar poderosas cadeias de valor e sustentar economicamente os níveis de renda e de emprego, assim como a balança comercial do país, até mesmo em anos de profunda recessão. Estruturou-se à época o Sistema Embrapa de pesquisas agropecuárias, que mantém acesa a flama das inovações incrementais.

Com esse avanço da agropecuária, tende a ficar na poeira da história a agricultura tradicional, que desmata e queima predatoriamente o meio ambiente, que pratica relações sociais de produção pré-capitalistas, que não resiste aos testes fitossanitários dos sistemas da defesa agropecuária. A ela se contrapõe a moderna agropecuária do agronegócio e da agricultura familiar, que produz com menor intensidade de terra, que consome menos água por tonelagem de produção irrigada, que recicla os resíduos e dejetos das atividades produtivas, além de conservar, preservar e reabilitar os ativos ambientais como capital natural.

Ainda há muito a ser feito para qualificar e consolidar a revolução verde nas áreas tropicais brasileiras, eliminando muitas de suas mazelas socioeconômicas e socioambientais. Contudo, os mais expressivos progressos científicos e tecnológicos dos diferentes sistemas produtivos estão, atualmente, nas fronteiras da agropecuária nacional. Daí se asseverar que, no atual contexto de nossa história econômica, o capitalismo mora no campo.