Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

Quem tem medo da dívida pública?

Publicado em: Qui, 08/04/21 - 03h00

O Banco Mundial tem realizado uma série de debates alertando os países sobre a urgência de planejarem estratégias para a retomada do crescimento de suas economias no período pós-pandemia, de forma socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável. Durante o ciclo da pandemia, criaram-se profundas cicatrizes em suas estruturas produtivas, e o tecido social se esgarçou.

Na crise de 1929, quando o presidente Roosevelt decidiu promover a retomada do crescimento dos Estados Unidos, sentiu-se a falta de um bom número de projetos de investimentos em nível de detalhamento adequado para serem implementados. A economia brasileira, contudo, dispõe atualmente de um grande número de projetos de infraestrutura econômica e social inacabados, paralisados ou em execução, tecnicamente elaborados, com suas licenças ambientais concedidas, sendo intensivos de mão de obra, de natureza multissetorial, geograficamente desconcentrados entre regiões e, principalmente, sem questionamentos insuperáveis do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União quanto aos seus aspectos legais.

Como financiá-los? Num momento em que são poucos os investimentos diretamente produtivos e que os consumidores têm entesourado sua liquidez, todos com preocupação em relação ao ambiente conjuntural engravidado de incertezas e desesperanças quanto ao futuro da economia, só nos resta uma estratégia de retomada a ser coordenada pelo governo federal. Para isto, o governo deveria ampliar o seu endividamento entre 3% e 5% do PIB, atraindo a liquidez privada para um orçamento público trienal, em condições legalmente extraordinárias, aprovadas pelo Congresso Nacional. Seria um orçamento de gastos de investimentos, de subsídios e de incentivos em torno de R$ 210 bilhões a R$ 350 bilhões para financiar uma superprodução da cadeia de valor do agronegócio, um conjunto ambicioso de obras de logística, de projetos de habitação popular e de saneamento básico, de projetos de reabilitação dos ecossistemas etc.

Seria razoável aumentar a dívida pública através de uma emissão especial de títulos? Já não teríamos chegado ao teto do nosso endividamento público? Essa é uma questão extremamente controversa, que permeia os debates sobre as finanças públicas desde a crise de 1929. É bom lembrar a última controvérsia. Dois renomados economistas publicaram em 2010 um trabalho onde mostram que níveis de endividamento acima de 90% do PIB significam um impedimento ao crescimento econômico. Políticos conservadores dos EUA e da União Europeia se agarraram prontamente a essa tese para defender suas políticas de austeridade fiscal, mesmo na possibilidade de uma recessão em marcha. Posteriormente, essa proposição foi questionada e os seus autores desqualificados, quando se demonstrou que não havia suporte nem conceitual, nem evidência empírica para sua validação.

Na verdade, a economia é atualmente um campo científico em crise pela sua incapacidade de superar crises. Tornou-se uma diversidade de modelos e de teorias em conflito que não permitem aos economistas dispor da exatidão e da certeza que pretendem atribuir às suas diretrizes de políticas econômicas. Foi o que a Rainha da Inglaterra perguntou aos ilustres professores da London School of Economics sobre a crise de 2008: “Por que vocês não viram que ela estava vindo?”.

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