PAULO HADDAD

Uma economia sem rumo

Há um consenso entre muitos analistas da atual situação socioeconômica do Brasil de que, em momentos de crise, as ideias importam e são poderosas

Por Da Redação
Publicado em 28 de maio de 2020 | 03:00
 
 

Enquanto o governo federal não apresentar a estratégia a ser usada para garantir a sobrevivência das famílias e das empresas durante a pandemia do novo coronavírus, assim como para a retomada do crescimento econômico pós-pandemia, a opinião pública ficará com a sensação de que a economia brasileira está sem rumo. Não se podem vender ilusões para a população através de decisões casuísticas ou de discursos com base num pensamento ideológico único e extemporâneo.

Em um período de grandes e imprevisíveis mudanças, qualquer leitura equivocada sobre restrições e condicionalidades imperativas pode levar a grandes desastres socioeconômicos. Há um consenso entre muitos analistas da atual situação socioeconômica do Brasil de que, em momentos de crise, as ideias importam e são poderosas. Elas têm a capacidade de dar substância histórica à diversidade dos interesses dos diferentes grupos sociais em termos de ações programáticas. Elas são capazes de determinar a forma e o conteúdo das instituições que formulam e definem a trajetória histórica de um país, de suas regiões e classes sociais. Mas não há um roteiro ideológico que se aplique a todas as nações, independentemente do contexto histórico em que estão inseridas: o passado limita as oportunidades no presente, que ilumina o roteiro das trajetórias do futuro.

Por exemplo: há períodos do ciclo econômico em expansão no qual o aumento dos gastos públicos pressiona ainda mais a demanda agregada, induzindo o deslocamento (crowding out) dos investimentos privados pelo aumento das taxas de juros, o que não ocorre, entretanto, quando a economia apresenta elevadas taxas de desemprego e de subocupação dos fatores de produção, provocando alto nível de capacidade ociosa do sistema econômico. Nesse contexto que estamos vivenciando em tempos de pandemia, os gastos públicos podem vir a ser a única alternativa para tirar a economia do atoleiro letárgico, pois as demandas de exportações e de consumo privado se encontram sob imensas restrições. De um lado, há o comércio mundial de bens e de serviços em processo de declínio e de estagnação e, do outro lado, um consumo privado sufocado pelo crescente desemprego e pela queda no poder aquisitivo da população.

No médio prazo, é possível descomprimir o potencial dos investimentos privados na infraestrutura econômica frágil, vulnerável e decadente da economia brasileira. Para que um ciclo de expansão ocorra a partir desses investimentos, é preciso que se estruture a construção de um tripé baseado numa inteligente engenharia de financiamento interno e externo, baseado em regras de precificação e de tarifação compatíveis com a economia social de mercado e, principalmente, a minimização dos riscos jurídico-institucionais dos processos de privatização ou das estruturas regulatórias.

Porém, no curto prazo, a expansão dos gastos públicos constitui a escolha mais provável para descomprimir a demanda agregada e dar um forte impulso na economia, aumentando a renda e o emprego. Como os efeitos recessivos da pandemia devem se prolongar por alguns meses, o anúncio de que o valor da transferência mensal de renda de R$ 600 poderá ser em três parcelas de R$ 200 por mês (metade do valor de uma cesta básica) pode vir a ser um prenúncio de eventuais protestos populares, como ocorreu no mês passado em áreas periféricas de Santiago do Chile, com o slogan “Se o vírus não nos mata, nos mata a fome”.