O mundo entrou na contagem regressiva de 100 dias para os Jogos Olímpicos de Tóquio. E eu ainda guardo vivo na minha memória os momentos que vivi em 2016, quando tive a oportunidade de cobrir uma Olimpíada pelo Super.FC / Jornal O Tempo, no Rio de Janeiro. Presenciar aquela festa de cores, de línguas, povos e esportes, foi a realização de um sonho e uma das minhas afirmações na carreira de jornalista, ainda aos 26 anos de idade. 

Recordo-me ainda pequeno, por volta de cinco, seis anos, que meu primeiro contato com o esporte foi uma bola de futebol dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. E desde Sydney, mesmo ainda sem compreender muito do que se desenrolava, passei a acumular recortes de revistas e jornal, que guardo até hoje, sobre os Jogos Olímpicos. Mal poderia imaginar que um dia viveria tudo aquilo de perto. 

Das mais variadas histórias do Rio 2016, guardo comigo o ouro que acompanhei desde o início. O ouro de Robson Conceição, o primeiro pugilista da história do Brasil a subir no lugar mais alto do pódio em uma Olimpíada. Um fã confesso de Rocky Balboa, a nobre arte sempre foi para mim uma paixão e ao analisar as possibilidades de medalha do país marquei na minha agenda o Pavilhão 6 do Riocentro, na Barra da Tijuca. Lá era a casa do boxe olímpico. 

Uma Olimpíada decisiva para o boxe 

Foi no amadorismo do boxe olímpico que vários nomes dos ringues deram o ar da graça, como Cassius Clay, posteriormente Muhammad Ali, possivelmente um dos três maiores esportistas de todos os tempos. Para se ter uma ideia de pugilista recente, até mesmo o milionário Floyd Mayweather subiu em um pódio olímpico, conquistando um bronze para os EUA em Atlanta 1996.

O Rio de Janeiro marcou uma Olimpíada extremamente decisiva para o boxe moderno, com a permissão de pugilistas profissionais na busca por medalhas. Há de se lembrar ainda que a Olimpíada do Rio de Janeiro quebrou uma tradição do boxe olímpico. Pela primeira vez desde Los Angeles 1984, quando o item passou a ser obrigatório, os boxeadores passaram a lutar sem os protetores de cabeça que antes protegiam seus rostos.

Do 'uh, vai morrer' a Mamonas Assassinas 

Em meio às críticas, o apelo pela modalidade foi imediato entre o público brasileiro, que transformou o Pavilhão 6 no mais animado local dos Jogos Olímpicos. Eu mesmo produzi matérias que davam conta dos cânticos dos torcedores, que iam desde o 'Uh, vai morrer', que gerou um mal estar nos organizadores dos Jogos, muito pelo altíssimo impacto do UFC naquele período, até o apoio aos árbitros brasileiros, saudados como ídolos, e o pugilista equatoriano Carlos Andres Mina, que rapidamente ganhou do público a música "Mina, seus cabelo é da hora, seu corpão violão, meu docinho de coco, tá me deixando louco', dos Mamonas Assassinas, como hino - mesmo sem ele entender absolutamente nada do que se tratava. 

Um homem predestinado 

Em meio a essa loucura organizada que tomava conta do Pavilhão 6, um baiano de Salvador, chamado Robson Conceição, começou a traçar sua trajetória. Robson é mais um dos filhos de pai ausente desse país. Uma criação dura em meio à periferia do bairro de Boa Vista de São Caetano. Ele cresceu tendo ao lado a mãe e a avó e a necessidade o fez crescer muito cedo, ajudando no sustento da casa, sendo de feirante a vendedor de picolé na praia e também ajudante de pedreiro. 

O amor ao boxe não foi algo imediato. Foi construído. Seja lá uma influência do tio Roberto, conhecido pelas brigas de rua no carnaval de Salvador, seja lá pelo desejo que foi aumentando quando ainda treinava no fundo de um quintal na Boa Vista.  As brigas de rua não eram o caminho de Robson. Quando passou a levar a sério a modalidade, o mundo o conheceu. 

Passo a passo 

O 'Terror da Boa Vista' se tornou a história viva do boxe brasileiro. Um campeão olímpico. Lembro-me da primeira luta no Pavilhão 6. Robson, aos 26 anos, não era uma figura desconhecida do ciclo olímpico. Na verdade, ele já havia ido a Pequim e Londres, e foi eliminado nas duas Olimpíadas na primeira fase da disputa. 

Existia uma pressão psicológica na luta contra Anvar Yunusov, do Tajiquistão. Será que Robson ficará pelo caminho mais uma vez? Não desta vez. Um round. Um nocaute técnico. O adversário lesionou a mão e o triunfo foi assegurado ao brasileiro, que já ingressou nas oitavas de final da categoria até 60 kg. Robson não era mais aquele menino que pisara em Pequim. Ele era o número dois no ranking mundial. Um atleta respeitado.  

Robson marcou para um duelo difícil nas quartas contra o uzbeque o Urshid Tojibaev. A resistência foi grande. Houve momentos que a trocação e os clinches me fazia contar os pontos e pensar até no pior. Mas a decisão dos juízes foi certeira, dando a vitória por 3 rounds a 0 para o brasileiro. 

A rivalidade com Cuba 

Robson Conceição avançou para uma semifinal com cara de decisão. O pugilismo cubano é notoriamente um dos melhores da história dos Jogos Olímpicos. O país caribenho chegou ao Rio de Janeiro com 66 medalhas na modalidade, sendo 34 de ouro. A terra de ícones como Kid Chocolate, Teófilo Stevenson, Felix Savón e tantos outros, confiava para a categoria Lázaro Álvarez, dono de dois ouros Pan-Americanos, e que vinha com fome de vitória após o bronze em Londres 2012. 

Não seria uma luta fácil para Robson. Foi um confronto eletrizante e que deixou o Pavilhão 6 do Riocentro em polvorosa. O duelo nos corners já acontecia e a troca de hostilidades entre brasileiros e cubanos era real. O 'Uh, vai morrer' era o grito de ponta a ponta. E o Brasil literalmente ia junto com Robson a cada golpe. 

Era dia dos pais. E a mãe de Robson, a figura materna e paterna da sua vida, assistia nas arquibancadas ao lado da nora Erika e da pequena Sophia, a filha de Conceição. O pai, lá no ringue, dava tudo de si. Um dos maiores dia dos pais que Robson pode viver. 

Resistiram os três rounds. O soar do relógio. Braços pra cima dos dois lados. A explosão brasileira com a decisão dos juízes: três rounds a zero. Na passagem para a conversa com a imprensa escrita, um certo entrevero entre técnicos brasileiros e cubanos. A rivalidade cristalina. Mas naquela tarde, a vitória era brasileira e ninguém iria tirá-la de Robson Conceição, garantido ao menos com uma prata. 

O último ato 

Em Londres 2012, Esquiva Falcão levou o boxe brasileiro à prata, já abrindo caminho para a glória  que aconteceria quatro anos depois. Era Brasil contra França. Robson Conceição contra Sofiane Oumiha. Naquela mesma Olimpíada, uma disputa entre brasileiros e franceses havia gerado polêmica. No salto com vara, Thiago Braz venceu na final o francês Renaud Lavillenie, que reclamou bastante dos gritos brasileiros nas arquibancadas do Engenhão buscando tirar sua concentração. A atitude, de fato, foi uma bola fora imensa da torcida brasileira, gerando uma repercussão negativa mundial. 

Mas no boxe, Sofiane, de apenas 21 anos, não poderia conter a mobilização que tomou conta do Pavilhão 6. Foi um dia de ouro. Naquele dia nada me interessava a não ser me dirigir para o Riocentro. Por lá cheguei cedo para garantir meu lugar e presenciar a história ser escrita. O primeiro round foi extremamente equilibrado e Robson venceu por uma ligeira margem. 

Mas no segundo, ele soltou o braço e dominou o francês, levando-o inclusive à lona em uma oportunidade. 

No terceiro e último round, o público brasileiro passou a celebrar a vitória antes mesmo do tempo determinado, tendo em vista que Oumiha conseguiu conectar poucos golpes em Conceição. O cansaço atingiu o jovem pugilista, enquanto Robson aguardava o fim do combate.

Quando a luta se encerrou, a vitória já era certa. Robson, um campeão olímpico, e o choro. O abraço na família. A celebração no Pavilhão 6, a celebração nacional. Do início ao fim lá estive e me lembro desde a primeira entrevista, nas oitavas, quando o número de jornalistas presentes na zona mista era de contar nos dedos até que a atenção em torno do baiano mobilizou um batalhão a cada nova vitória. Mas Robson, solícito, ainda expressou sua humildade ao lembrar-se de cada um que lá esteve quando tudo começou. Uma glória olímpica que nunca vou esquecer e faz parte da minha contagem rumo aos Jogos de Tóquio.