Representatividade

Cansados, exaustos, desanimados e sós, mas na luta

Sim, pedir igualdade cansa em uma sociedade na qual a desigualdade é estrutural, ou seja, está na base, solidificada

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 29 de março de 2024 | 03:00
 
 
Tatiana Lagôa, autora da coluna Representatividade Foto: Fred Magno/O TEMPO

Cansaço, exaustão, desânimo e solidão. E é assim, pessimista mesmo, que começo este texto hoje, porque é esse o cenário do momento. Não o meu apenas. Essas palavras de pesar são uma espécie de resumo do que tenho ouvido de pessoas negras que ousam questionar o racismo. Sim, pedir igualdade cansa em uma sociedade na qual a desigualdade é estrutural, ou seja, está na base, solidificada. Mina a energia ter que pedir respeito e ver essas situações acontecerem o tempo todo, de forma natural. O choro do jogador Vinicius Junior em uma coletiva de imprensa representa muita gente. Quando ele diz “é desgastante, porque você está meio sozinho em tudo”, dá vontade de chorar junto. E não é de pena dele, mas de todos nós que sabemos o que é ser diminuído e não ver punições ou mudanças efetivas.  
 
Sim, eu preciso dizer que aquele choro do Vini me tocou de um jeito que mal sei verbalizar o sentimento. Estou falando de um atacante brilhante, mas também de um menino de 23 anos que não tem paz para fazer o trabalho dele. Imagine a vida de um jogador que pode dar a vitória para o time, mas sai derrotado pelas humilhações sofridas durante a partida. Era para ele estar vivendo um momento mágico na carreira, afinal, ele joga na Europa (aonde muitos sonham em chegar) e está na seleção brasileira. Mas a dor de sofrer racismo diariamente e se sentir isolado nessa luta, já que os colegas dele negam a existência de preconceito no time, está o consumindo a ponto de quase desistir do próprio sonho. O atleta disse em coletiva: “Cada vez eu estou mais triste, cada vez eu tenho menos vontade de jogar. Mas eu vou seguir lutando”.  
 
Essa frase, descontextualizada, pode ser ouvida por alguém que vai dizer: “Bravo! Que menino lutador”. Já eu, como uma pessoa que se vê exausta em vários contextos também, me questiono: se o esporte que ele pratica é futebol, e não luta, por que ele teria que estar em um combate? Por que ele não pode apenas viver o sonho, a vida, a carreira, o dia, sem ser obrigado a passar por situações desagradáveis? Por que nós, negros e negras, não podemos apenas seguir, viver livremente, e fazer nossas escolhas sem julgamentos?  
 
É importante frisar que não são todos os negros que se sentem assim. Somos diversos e temos histórias e contextos de vida muito diferentes. Mas, tendo consciência ou não do racismo que nos atravessa e limita nossas vidas, é fato que a luta de Vini Junior é por todos nós. Cada vez que ele se posiciona e faz uma pessoa se questionar sobre ações preconceituosas, já é uma pessoa a menos que vai cometer atos racistas, ou até mesmo uma a mais para levar a situação a debate em seus ciclos sociais. Indiretamente, a vida de todos os negros fica um pouco menos difícil. Até daqueles que acreditam ser blindados contra o racismo.   
 
Apesar de Vini Junior ter sido usado como exemplo, em função da importância de sua fala e de ser uma pessoa pública, eu poderia ter citado aqui muitos casos. Uma coisa é fato: quanto mais informações temos, mais letrados racialmente nos tornamos e, consequentemente, mais situações de racismo nós vemos. O que deveria ser bom se torna um fardo, porque passamos a ser vistos como alguém combativo. E é nesse momento que vem a exaustão. É quando você vê no hospital um tratamento diferenciado, nitidamente em função da cor, e não pode fazer nada a respeito. Ou naquele momento em que você vê jovens negros não conseguindo conquistar certas vagas no mercado de trabalho, mas não consegue intervir. Ou também quando somos atendidos de forma menos cordial no comércio e vemos pessoas brancas sendo tratadas superbem. E ali, naquele local, você se sente cansado demais para pedir igualdade. É exaustivo entrar em lutas diárias ao mesmo tempo em que a vida acontece ali, ao vivo. Os outros problemas não deixam de acontecer só porque você foi humilhado por alguém na rua. Eles estão ali, somando “gotas” que enchem o copo até a borda. E nos levam à exaustão que citei no começo. 
 
Entendam que não estou pregando aqui a desistência ou desestimulando a luta. Estou apenas lembrando o quanto podemos estar extremamente sós e deixando de nos cuidar por algo que é coletivo. O antirracismo precisa virar bandeira de mais pessoas. Este texto não tem o objetivo de sugerir que negros se “rendam”. É um grito de socorro para pessoas brancas que nos cercam. É para dizer que não precisamos chorar, como Vini Junior, apesar da vontade, para as pessoas ao redor entenderem que não é fácil lidar com a injustiça. Não é fácil ser injustiçado, dar o seu melhor e saber que errar não é opção para pessoas como nós. É só para contar que é cansativo, exaustivo, desanimador e solitário. O resto é mais do mesmo.