Representatividade

Precisamos falar sobre solidão da mulher negra

Viver exige coragem, mas ser mulher negra e sobreviver no Brasil exige muito mais do que isso

Por Da Redação
Publicado em 05 de março de 2021 | 03:00
 
 

Nascida no interior de Minas Gerais, veio estudar e trabalhar na capital. Foi em Belo Horizonte que Rita fez carreira: psicóloga, professora e, atualmente, gestora de uma escola. Mulher negra, exerceu a maternidade sozinha, já que o pai do filho morreu quando o menino era um bebê. Filha dedicada, irmã companheira, amiga zelosa, dona de casa, dona da própria vida. Com tantos atributos, não poderia ter outro nome. “Rita” significa “pérola”, “criatura de luz”, “iluminada”. E ela é assim mesmo, luz. Animada, companheira, apaixonada pelo que faz e, acima de tudo, consciente da luta que ela e outras mulheres negras precisam travar para viver dignamente. E, por diversas vezes, solitária. 

Vejam bem, esse texto não é sobre a Rita. Ou melhor, não é só sobre ela. Peguei uma amiga querida como exemplo por achar a história dela grandiosa e inspiradora o suficiente para ser citada. Mas, por todo o Brasil, temos Ritas, Marias, Elianes, Joyces, Anas, em histórias que se repetem. Viver exige coragem, mas ser mulher negra e sobreviver no Brasil exige muito mais do que isso. Nesta coluna que antecede o Dia das Mulheres, quero lembrar a luta dessas guerreiras que, sozinhas, chefiam lares e tocam a vida. E não são poucas: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há mais de 7,8 milhões de pessoas morando em casas sustentadas por mulheres negras. As brancas são responsáveis por comandar lares com 3,6 milhões de indivíduos. Uma diferença gritante e com origens históricas.  

Ainda recorrendo aos dados, 61% das mães solo no Brasil são negras. Sim, mais da metade das mulheres que criam seus filhos sozinhas são de cor escura. Ao mesmo tempo, só 7% dos casamentos são de mulheres pretas, e 52% das negras não têm uma relação estável. Entre as mulheres com mais de 50 anos, as pretas são a maioria na categoria chamada “celibato definitivo”, ou seja, as que nunca viveram com um cônjuge.  

De novo, esse texto não é sobre a Rita. Até porque Rita foi casada, passou por outros relacionamentos e não lamenta a ausência de um parceiro atualmente. Mas, como esta coluna não é sobre casamento, é sobre luta, ela acaba sendo sobre a Rita também. Vários estudos tentam explicar a solidão da mulher negra, e uma das conclusões já apresentadas em alguns deles é que a forma como nós, pretas, somos vistas na sociedade interfere na realidade que enfrentamos atualmente. Qual realidade? A que nos obriga a ser fortes custe o que custar.  

Rita não teve outra chance a não ser ter força. E, como uma leoa, criou um filho do bem. Mas ela também não teve outra opção. Ela é um exemplo de mulher que conquistou e conquista tudo por ela mesma. Não existe almoço grátis para ela, como costumamos dizer por aí. Claro que ela é uma negra da classe média, o que muda um pouco a realidade dela. Torna um pouco amena a trajetória. Mas, certamente, em algum aglomerado, outra Rita agora faz faxina e come o pão que o diabo amassou para dar o que comer aos filhos. Também sozinha.  

E qual a ligação disso com a história do Brasil? Ora, durante a escravidão, nós, negras, éramos vistas como mulheres fortes, nascidas para cuidar do outro e dar conta de tudo. Éramos vistas também como objetos sexuais, amas de leite perfeitas, boas cozinheiras. Enquanto isso, mulheres brancas eram vistas como aquelas que eram delicadas demais para passar por determinadas situações. Nós, negras, não éramos poupadas naquela época. E infelizmente, ainda não somos. A assinatura da nossa liberdade não mudou certas visões e hoje ainda pagamos o preço cobrado por essa tal liberdade. E, mesmo sem troncos, muitas de nós ainda levam muitas chibatadas da vida.