REPRESENTATIVIDADE

Racismo reverso é ‘história para boi dormir’

Racismo é muito mais do que simplesmente não gostar de negros

Por Da Redação
Publicado em 21 de janeiro de 2022 | 03:00
 
 

Lucas é um menino de família humilde, morador de uma comunidade em Belo Horizonte, que concilia os estudos com o trabalho desde muito cedo para ajudar em casa. Aos fins de semana, veste a melhor roupa e o boné mais estiloso para dar umas voltas e aproveitar a juventude, afinal, não se tem 16 anos para sempre.

Não foram raras as vezes em que Lucas foi seguido por seguranças em shoppings. Batida policial, então, ele nem sabe contar por quantas passou. Até que um dia, voltando para a casa com uma turma de amigos da “quebrada” onde foi criado, foi parado por um soldado. Um dos amigos dele tinha maconha no bolso, o que foi suficiente para a turma ser levada para a delegacia, onde foi chamada de “gangue do tráfico”. Ele não usava nem vendia drogas e tentou, inclusive, dizer isso para os policiais no momento em que estava sendo apreendido. “Você tem sorte de ser menor, porque de inocentes com o seu perfil a cadeia está cheia”, ouviu de um dos policiais com tom irônico. O menino, então, foi taxado de “soldado do tráfico”, e nem os amigos de escola acreditaram na inocência dele ao ouvir o caso. </CW>

Nesse ponto da história fictícia, eu preciso perguntar para vocês: enquanto recriaram a cena narrada acima, vocês imaginavam o jovem com qual perfil? Ele era branco ou negro? Vejam bem, eu não quero dizer que brancos nunca passam por esse tipo de situação, mas posso afirmar com toda certeza, com base nas estatísticas, que negros são vítimas desse tipo de acusação com maior frequência do que brancos. E sabem por quê? Porque vivemos em uma sociedade racista, em que determinado grupo, no caso os negros, são vistos como potenciais criminosos. 

Mas ainda não é sobre isso que quero falar. Tudo isso que eu trouxe até aqui foi só para levar vocês ao próximo questionamento: como o racismo é muito mais do que simplesmente não gostar de negros, é algo que muda a forma como essa parcela da população é tratada e que impede ou dificulta acessos, poderíamos dizer que as pessoas brancas sofrem racismo pela branquitude? 

Pessoas deixam de ser contratadas em determinadas empresas ou de ocupar cargos por serem brancas demais? Famílias não aceitam determinados casamentos porque “pessoas brancas não são bem-vindas em suas casas”? Quando você chega a locais de contextos de miséria e olha o entorno, encontra 70% ou mais de pessoas brancas que estão lá por total falta de acesso a outra realidade? Pessoas deixam de ser vistas como profissionais suficientes por terem o cabelo liso e muito para baixo? Quando assistimos a filmes, precisamos ficar contando nos dedos quantas pessoas brancas estão na cena? 

Certamente, vocês disseram “não” para todas ou quase todas essas questões. E sabem o motivo? Simplesmente porque pessoas brancas não sofrem racismo na nossa sociedade. Se algum dia alguém te chamou de “branquelo”, pode ter sido grosseiro e merece, sim, que você dê uma resposta caso não tenha gostado. Mas, convenhamos, quando falamos de racismo, estamos indo muito mais além do que uma autoestima ferida. Estamos falando em ser alvo de assassinato, em ter portas fechadas e ter que provar merecimento o tempo inteiro para ocupar lugares de direito. Isso, sim, é racismo. Então, meus amigos, se te falarem sobre “racismo reverso” ou absurdos parecidos, sendo a fonte sociólogo, antropólogo ou só fofoqueiro mesmo, acredite em mim: independentemente do título do interlocutor, ele está contando uma bela história para boi dormir.