SABORES DO MUNDO

A tirania das novidades

Redação O Tempo

Por Renato Quintino
Publicado em 26 de setembro de 2015 | 03:00
 
 
Noma, de Copenhague, dará lugar a uma fazenda urbana Keld Navntoft/AFP

René Redzepi, o chef mais influente do mundo no momento segundo o “The New York Times”, anunciou que vai fechar o Noma em Conpenhague e reabri-lo como uma fazenda urbana em 2017. O jornal comparou a empreitada, com ironia, com o filme “Fitzcarraldo”, de Werner Herzog, que abordava o sonho da construção de um teatro de ópera no meio da selva amazônica. 
 
Delírios à parte – o próprio Redzepi admite que a decisão o deixa “nervoso” –, a casa segue os passos do El Bulli que, depois de anos como o melhor e mais renomado restaurante do mundo, fechou para “novas pesquisas”.
 
É natural que um chef, que esteja no topo do mundo aos 37 anos, queira novos desafios, mas a tirania da busca por novidades hoje na gastronomia desnorteia muita gente. Sempre há o que inventar, no mundo da Netflix, Über, WhatsApp e, com o Facebook lançando em breve seu óculos que ameaça tornar real o teletransporte por imagens (imagine ir ao médio sem sair de casa), as demandas mudam e o gosto do público também.
 
O cardápio de um restaurante dos anos 70 ou 80 seria inviável hoje, embora sempre haja a turma “retrô”. Basta ver a “novidade” dos vinis do “Secos e Molhados” nas grandes livrarias. A chave do mundo hoje é a distribuição, a facilidade, a comodidade e a eficiência, sem abrir mão do sabor. A cozinha molecular trouxe conquistas, mas a hora de comer pílulas para tudo, felizmente, ainda parece estar longe.
 
Reality shows
Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, Paulo Tiefenthaler critica o excesso de objetividade em programas de culinária na TV (falta contextualizações) e os reality shows sobre o assunto, nos quais cozinhar virou stress e competição, quando na verdade cozinhar é uma alegria, que traz “a delícia de estar num lugar quente, com amigos bebendo e contando histórias”,enquanto se espera uma carne sair do forno.
 
A respeitada jornalista Ruths Reichl, autora de ótimos livros , ex-crítica de gastronomia do “NYT” e ex-editora da revista “Gourmet”, que está beirando os setenta anos, afirmou ter redescoberto o prazer de cozinhar de forma descomplicada e relaxada dizendo: “Neste ponto de sua vida você deve ter o máximo de diversão que puder, porque nunca se sabe o que virá logo depois”. 
 
Reichl oberva também que jovens, novos entusiastas por gastronomia, procuram hoje menos artifícios , não são “showmans” ao cozinhar e se interessam por livros de gastronomia “old fashion”.
Num equilíbrio entre a fazenda urbana de Redzepi e a visão de Reichl, comer continua sendo um ato vital, necessário várias vezes por dia, o que faz com que a culinária ou a gastronomia (chamem como quiser) esteja sempre em pauta.
 
E concordo com Tiefenthaer que, longe do desprazer que os reality shows associam à gastronomia, cozinhar é um ato de generosidade e celebração da vida, é uma alegria estar numa cozinha e a alegria ainda maior é o compartilhar, depois, da boa mesa.