Sandra Starling

Sandra Starling é advogada e cientista política e escreve às quartas-feiras

Basta um puxão de orelha

Publicado em: Qua, 05/12/18 - 02h00

As ameaças do deputado Eduardo Bolsonaro de fechar o STF com apenas “um cabo e um soldado” ou decretar a ilegalidade do comunismo me intrigaram: haveria uma “alma mater” para ideias tão estapafúrdias? Seu pai afirmou tratar-se, no primeiro caso – sobre o segundo nada falou −, de traquinagem de garoto, merecedora de um “puxão de orelha”. O “guri” é representante do povo paulista no Congresso Nacional, foi reeleito como o deputado mais votado da história do Brasil e vive a cochichar com o genitor. É claro que não levei a sério essa fanfarronice, mas, para que leitores não peguem no meu pé, resolvi me inteirar dos fundamentos de seu pensamento político, de forma a aferir a origem de tamanha insensatez de um suposto menino travesso.

O congressista em questão frequentou um curso de pós-graduação na filial brasileira de uma entidade que formula doutrinas de liberalismo sem liberdade de organização de trabalhadores: o Instituto Mises. Ludwig von Mises era considerado um dos próceres da chamada “escola austríaca de economia”. Orientou o pensamento acadêmico de Friedrich Hayek e Milton Friedman, pilares da escola de economia de Chicago. Nessas águas bebericou o futuro czar da economia, Paulo Guedes. Já mencionei aqui o fato de pupilos de Hayek e Friedman terem assessorado a ditadura militar chilena, conduzida pelo general Augusto Pinochet. Paulo Guedes andou por lá nos anos 80. Hayek chegou até a criar o conceito de “demarquia”, uma espécie de “democracia limitada”, que deveria relativizar as essências da forma republicana e do regime democrático de governo, as quais ele considerava impeditivas da eficácia econômica e indutoras, no seu dizer, da demagogia.

Poucos se lembram de que Ludwig von Mises integrou, no início dos anos 30 do século passado, o governo austríaco fascista de Engelbert Dollfuss. Fã de carteirinha de Mussolini, Mises afirmou que o ditador italiano havia conseguido “salvar a civilização europeia”. Dollfuss foi assassinado por nazistas porque, apesar de seu autoritarismo, não aceitava o racismo. Mises, seu colaborador, por exemplo, era judeu. Depois da anexação da Áustria à Alemanha, em 1938, Hayek (também judeu) e Mises não puderam mais viver na terra natal. Isso fez com que o jornalista John T. Flynn, declarado admirador de Mises, distinguisse os “bons fascistas”, nos quais ele incluía, entre outros, Mussolini, Salazar, Franco, Schuschnigg (sucessor de Dollfuss, conhecido como “assassino de trabalhadores”), dos “maus fascistas”, cujo paradigma era, claro, Adolf Hitler.

Feitas essas considerações, não posso, sinceramente, acreditar que as palavras do “garoto” tenham sido inofensivas manifestações de um boquirroto. Consta que foi ele quem convenceu o pai a aderir ao tal liberalismo dos “bons fascistas” à moda austríaca. Polidamente, diria que o deputado por São Paulo comunga, de fato, das excelências de uma “democracia limitada”, tutelada por, digamos, alguns cabos e soldados. E seu pai? Creio que basta correr os olhos pelo seu ministério já escolhido, com raríssimas exceções.

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