SOMOS TODOS

A sirene toca. E quem não pode correr? E quem não sabe para onde ir?

Apesar dos treinos e das instruções sobre como agir em situações de emergência, quando é que estaremos verdadeiramente seguros?

Por Raquel Penaforte
Publicado em 31 de março de 2019 | 03:00
 
 

Ser acordado com o barulho de sirenes tem se tornado comum para moradores de cidades onde a mineradora Vale mantém barragens para os rejeitos de minério de ferro. Desde a última (ou mais recente) tragédia causada pelo rompimento de uma delas, na cidade de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, o clima de apreensão tomou conta dos que precisam conviver com a iminente possibilidade de perderem a vida na lama, bem como dos que são obrigados a abandonar suas casas a cada novo soar de alerta.

Em meio aos sustos nas madrugadas e ao desconforto gerado pelos simulados de rompimento, moradores treinam como escapar dos rejeitos deixados por essa empresa que tanto rejeita a população.

Apesar dos treinos e das instruções sobre como agir em situações de emergência, quando é que estaremos verdadeiramente seguros? Ter o mapa de fuga guardado na mente garante que qualquer um esteja salvo? E quem não pode correr? E quem não sabe para onde ir?

Revendo as cenas da tragédia de Brumadinho e também dos estragos feitos em Mariana, na região Central do Estado, cidade atingida pela Vale em 2015, fico pensando na dificuldade que eu teria em tentar me salvar se estivesse em uma dessas situação. Fico pensando em como reagiria se precisasse deixar minha casa, minhas coisas ou se seria capaz de ajudar alguém a sobreviver.

O pensamento angustiante se torna ainda maior quando me lembro dos muitos idosos que, diferentemente de mim, que consigo correr, não podem nem sequer andar sozinhos. Penso ainda nos cadeirantes, que demandam mais tempo para se locomoverem com suas cadeiras de rodas. Lembro-me ainda das grávidas, dos doentes, dos obesos e até de quem acabou de fraturar a perna.

Não pensem, por favor, que estou subjugando a capacidade de alguém para se manter seguro. Muito ao contrário. Mas o princípio básico da inclusão é, antes de tudo, dar condições iguais a todos, sem distinção, e, nesse contexto, tenho a sensação de que essas pessoas estão sendo ainda mais prejudicadas.

Na última terça-feira, 28 dos 46 moradores idosos, doentes e que necessitam de acessibilidade de Barão de Cocais, na região Central de Minas Gerais, recusaram-se a deixar suas casas durante o simulado de rompimento realizado pela Defesa Civil estadual. Dez foram levados para hotéis em locais seguros da cidade, e oito para casas de parentes.

Há quem diga que é insanidade se recusar a deixar a própria casa nessa situação de perigo. Eu concordo. Mas penso também que, quando a falta de respeito pela população rompe a barreira da dignidade, não existe lugar seguro que nos proteja de sermos atingidos por tamanho descaso e pela sensação de impunidade que crimes como esse são capazes de provocar.