“Não suporto esse Tizumba”. O protagonista da frase diz que essa “é uma coisa rara de ouvir”, e comemora. “De vez em quando um ou outro pode falar isso, porque eu estou com o garfo pronto pra colocar na boca e não dou a atenção que me solicitam, ou estou naquele dia em que a mulher dormiu de calcinha. Mas é bom, já que toda unanimidade é burra”, declara, com citação a frase do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).
Na próxima sexta (31), Mauricio Tizumba lança “De Camarões: Veredas de Mauricio Tizumba”, biografia em que revê alguns episódios de sua longa trajetória. Aos 60 anos, o músico traz no currículo oito discos lançados, inúmeras participações em trabalhos alheios, a criação de uma companhia teatral feita para negros e de um grupo de percussão para mulheres, além da presença em filmes, seriados e novelas que lhe renderam encontros memoráveis com astros da cultura nacional, como o também mineiro Grande Otelo (1915-1993), natural de Uberlândia.
Das conversas com o parceiro de Herivelto Martins no samba “Praça Onze”, ele se lembra dos conselhos recebidos. “Grande Otelo me falava para fazer um ‘pé de meia’, construir uma vida regrada, cuidar da carreira, não fumar, enquanto ele mesmo fumava e tossia muito”, recorda. Cerca de seis meses depois do papo, Otelo morreria vítima de um infarto. Tizumba confessa que não chegou a seguir todos os ensinamentos do amigo.
“Parei de fumar, mas não sei se cuidei da minha carreira, porque sempre fui muito livre, não sou de escolher, saio fazendo mesmo, sem medo, faço minha arte com o que tiver na mão, sem frescura”, garante. “Apesar de ter mirado sempre um trabalho mais popular dentro das cidades, às vezes as pessoas estranham, de vez em quando um ou outro pode falar: ‘não suporto esse Tizumba’, porque eu estou com o garfo pronto pra colocar na boca e não dou a atenção que me solicitam”, diz. O que nos leva de volta ao início da conversa.
Careta
Esse movimento cíclico e não linear pautou a carreira de Tizumba, e por isso definiu a narrativa do livro. “A capa é vermelha não é a toa, o objetivo é mostrar o colorido do Tizumba, não dava para ser uma biografia careta. Do fim vamos para o meio, do meio para o princípio, aí tem fim, fim, fim, princípio, meio, princípio, princípio, meio”, diverte-se o biografado. Apesar da condição de personagem, Tizumba participou ativamente de todo o processo, e também deu os seus pitacos. “O livro foi escrito a oito mãos”, define. Com organização de Elias Gibran e Pedro Kalil, a pesquisa, e uma entrevista com Tizumba, foram conduzidas pela dupla em parceria com Viviane Maroca.
Já a escolha do título partiu do homenageado. Foi graças ao filme “Brasil: DNA África” (2016), dirigido por Mônica Monteiro, que ele descobriu sua origem camaronesa no continente africano. “Esse negócio de biografia, na verdade, é pra pessoa mais velha, e não um rapaz tão novo como eu, mas com essa história de descobrir a minha ascendência, começamos a falar sobre o livro e a pegar minha vida, desde criança até agora, pelos bares, bailes, ruas e congado, ao qual sou muito ligado”, destaca Tizumba.
Além do enredo circular, outro atrativo da publicação é a reprodução de bilhetes de fãs. Num deles o remetente ameaça: “Tizumba se você tocar pagode eu vou embora”. Noutro, o pedido é mais afetuoso: “Trouxe a minha mãe! Toca uma música para ela”, escreve a fã. Como se não bastasse, há rascunhos com letras de músicas, cartazes de shows e um rico acervo fotográfico que capta o artista da infância pobre em Belo Horizonte ao êxito mundo afora.
Razão pela qual um mapa com os locais e festivais onde Tizumba se apresentou é anexado ao final do livro. Bangladesh, Cuba, Portugal, Alemanha, Itália, França, Argentina e Estados Unidos (no Festival de Jazz de New Orleans) são destinos que comparecem.
Como a pluralidade e o paradoxo teimam em alcançar o cantor, compositor, ator e instrumentista, uma frase na contracapa parece captar toda a essência de Tizumba: “Eu não conseguiria ver o mundo sem ver Minas Gerais”. “Quando comecei, na década de 70, todo mundo falava que eu tinha que ir para o Rio, mas o medo de ter que dormir na praia, igual muita gente que conheci, me manteve aqui, o que me fortaleceu na minha aldeia”, afirma. “Posso não ser conhecido nacionalmente, mas sou muito querido na minha terra”, orgulha-se Tizumba.
Lançamento
O quê Lançamento do livro “De Camarões: Veredas de Mauricio Tizumba”, biografia do multiartista Maurício Tizumba, com show ao lado de Sérgio Pererê Onde Centro Cultural Minas Tênis Clube (rua da Bahia, 2.244). Quando Dia 31 (sexta), às 20h30 Quanto Entrada R$ 20 (inteira). O livro será vendido no dia a R$ 30.