Posição de lótus, mãos sobre os joelhos, coluna ereta; no entorno, uma bela paisagem, ou simplesmente um cômodo com luz e barulho reduzidos, um tapetinho macio sob o corpo, talvez também um pouco de incenso e o som de um mantra reverberando pelo ar por longos minutos... É provavelmente graças a esse estereótipo que acabou difundida uma certa ideia de que a prática da meditação se adequa ao estilo de vida dos monges orientais, mas não se encaixa muito bem no cotidiano acelerado do Ocidente, onde desde cedo e cada vez mais as pessoas têm seus cérebros estimulados à hiperatividade.

Inclusive, a tentativa de aplicar a técnica dessa forma pode até acuar novos praticantes, já que ficar na mesma posição durante muito tempo causa dores e alcançar a concentração profunda exige muito esforço e dedicação. Porém, a meditação não precisa necessariamente ser realizada dessa forma e, ao contrário, pode ser aplicada de maneira muito mais simples e corriqueira. Basta usar as estratégias certas e é possível meditar dentro de um táxi, durante o expediente ou até em meio ao caos da Praça Sete.

E é lá mesmo que vai ter início, na próxima quinta (23), a campanha “Medita BH”, promovida pela organização internacional Brahma Kumaris, cuja proposta é mostrar para a população que é possível – e desejável – meditar no dia a dia, gastando não mais que alguns minutos.

Neste primeiro evento, será oferecida uma espécie de “degustação da meditação”, como explica Patrícia Carvalho, coordenadora da Brahma Kumaris em Belo Horizonte. “Durante todo o dia, haverá uma tenda montada em frente ao Cine Theatro Brasil e nossa equipe vai promover experiências rápidas de dez minutos de meditação às pessoas que estiverem passando”, explica.

Ela esclarece que se houver um momento do dia em que a pessoa possa parar por mais tempo, criar um ambiente melhor, a experiência vai ser mais profunda, mais intensa. “Mas na fila do banco, por exemplo, em vez de pensar em coisas negativas ou falar de trivialidades, você pode aproveitar para cultivar experiências positivas em relação a si e aos outros. E vale para qualquer hora e lugar: engarrafamento, reunião de negócios, penteando os cabelos, a todo momento podemos despertar uma experiência positiva”.

São esses os tipos de oportunidade que o designer de joias Igor Vilas Boas, 31, costuma aproveitar desde que encontrou na meditação uma forma de lidar com sua agitação interna e com as pressões impostas pelo ambiente. A sala de espera do dentista, por exemplo, é sempre um lugar em que ele mentaliza coisas boas, para enfrentar com tranquilidade um compromisso que ele detesta.

O designer diz que faz o mesmo antes de qualquer evento importante, quando se desentende com alguém e também em restaurantes, lojas ou serviços em geral, quando não é bem atendido. “Tento não devolver para a pessoa porque muitas vezes não é de propósito. Ela pode estar apenas tendo um dia ruim. Então, trabalho a respiração, foco num ponto específico e não me deixo afetar”, explica.

Aqui e agora
Adepta da meditação há 23 anos, a massoterapeuta e culinarista Marilene Mayrink de Castro, 58, também não precisa de roupa, hora ou local especiais para meditar. “Medito enquanto realizo minhas atividades habituais, aquelas em que nossa mente costuma se perder pensando no ontem ou no amanhã. Só que eu me esforço para ficar no aqui e no agora”, distingue. “Quando cozinho, por exemplo, penso no que quero passar para a comida, para que as pessoas experimentem quando comerem”.

Um outro equívoco que dificulta a popularização do ato de meditar é a ideia de que fazê-lo é parar de pensar. O líder humanitário e mestre espiritual brasileiro Sri Prem Baba esclarece que o processo é de aquietar a mente. “Se a gente simplesmente diz que é parar de pensar, criamos um problema porque isso é quase impossível. Ninguém tem que brigar com seu pensamento. É só observá-lo, até que, devagarinho, começamos a ter domínio sobre esse fluxo constante. O que a gente cria é um caminho para facilitar o percurso”.

Sri Prem Baba é o representante no Brasil da campanha internacional “Just 1 Minute”, que aqui tem sido chamada de “Apenas 1 Minuto”. A ideia é estimular o cultivo de um minuto de meditação por dia que, por si, pode ser suficiente para transformar a vida de uma pessoa. Além de ser o pontapé para a criação de um hábito (leia mais abaixo).

A proposta das meditações de curta duração, no entanto, não é desacreditar aquelas em que há uma maior preparação nem os recursos utilizados nelas. A monja Mariangela Maia de Oliveira (Ryosen) explica que eles também são ferramentas para facilitar o processo. “Para chegarmos num ponto em que não precisamos utilizar nada, é preciso muito exercício. O lugar escuro, o silêncio, o tapetinho são apenas estratégias para lidar com o estado de dispersão em que vivemos”, reforça.

Medita BH
Experiência de meditação (praça Sete, em frente ao Cine Theatro Brasil). Dia 23 (quinta), das 8h às 17h. Gratuita.

Palestra “Os Segredos da Meditação Fácil”, com o coordenador da Brahma Kumaris na América do Sul, Ken O’Donnell.
Cine Theatro Brasil (r. dos Carijós, 258). Dia 23 (quinta), às 19h30. Gratuita.

Para mais informações sobre a programação da campanha “Medita BH”, ligue: 3371-9802

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Para meditar em apenas 1 minuto

1º passo: desligue ou se afaste de qualquer coisa que possa te distrair, como celular ou computador.

2º passo: sente-se de forma confortável. Pode ser no chão ou em uma cadeira, mas se mantenha estável, mexendo-se o mínimo necessário. Alinhe sua coluna da base até a cabeça.

3º passo: feche os olhos de forma suave, sem pressioná-los. Eles são as janelas da mente e com isso você volta sua atenção diretamente para dentro.

4º passo: realize respirações suaves e profundas e relaxe, desligando-se completamente do mundo.

5º passo: à medida em que a respiração for ocupando todo o seu corpo, concentre-se em deixar passar por ele o fluxo de pensamentos, emoções e sensações. Deixe-o passar sem estabelecer diálogo. Tente focar num espaço vazio entre os pensamentos.

6º passo: se ficar difícil, apenas preste atenção na respiração por um único minuto. Mas não se preocupe em cumprir um minuto exato, podem ser 30 segundos ou 2 minutos. Permita-se um instante de auto-observação.

Continuidade: se quiser incorporar a meditação à sua rotina, comece a fazer cinco períodos de um minuto ao longo do dia. Pode ser antes do café da manhã, quando entrar no ônibus, antes de ligar o carro; em qualquer espaço entre suas atividades.

Rotina: tente fazer isso sempre no mesmo horário por 21 dias – tempo suficiente para ser criada uma rede neural para esse comportamento em seu cérebro.

Hábito: depois desse período, estenda para 40 dias, depois três meses. A essa altura, inevitavelmente você terá criado o hábito e pode passar a fazer por 20 minutos, desfrutando melhor dos benefícios que a prática proporciona.

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PARA MANTER MENTE E CORPO SÃOS

Embora sempre tenha levado uma vida saudável, se alimentando bem, praticando exercícios e mesmo sendo adepta da meditação há mais de duas décadas, a massoterapeuta e culinarista Marilene Mayrink de Castro, 58, foi diagnosticada, em 2011, com um câncer de tireoide. “Graças à meditação, eu entendo que não sou a doença”, diz.

É por isso que em 2014, quando novamente ela adoeceu – dessa vez, um linfoma, que acabou se espalhando para a medula óssea –, mais uma vez, ela não esmoreceu. “Ao longo de todo tratamento, eu me sentia mentalmente muito bem e sempre aproveitava as horas no hospital para meditar. Em nenhum momento pensei que fosse morrer. Pelo contrário, me sentia muito viva”, conta. “Meditação é isso: escolher o que se quer pensar para sentir o que se quer sentir”, completa. Assim, ela enfrentou também uma trombose como efeito colateral do tratamento e hoje está trazendo o corpo para o estado do qual a mente jamais saiu – a saúde.

O bem-estar mental é apenas o primeiro de uma lista longa de benefícios proporcionados pela meditação. Ken O’Donnell, coordenador da organização da Brahma Kumaris na América do Sul, enumera mais dois. “Ela aumenta a capacidade de se adaptar rapidamente às mudanças, especialmente as mais inesperadas, porque surge uma predisposição para compreender ao invés de condenar”, explica. “Além disso, a ansiedade impulsionada pela expectativa futura ou remorso passado se reduz porque há uma maior experiência da presença apreciativa”.

Há também a redução do estresse, melhora do sistema cardiovascular, combate à insônia e distúrbios mentais, aumento da resistência à dor, reforço do sistema imunológico, melhora na concentração e tantos outros, todos eles comprovados cientificamente.

E o que a ciência demonstra o designer de joias Igor Vilas Boas, 31, sentiu na pele. “Sempre fui agitado, tenso, falador, mas chegou num ponto em que isso começou a afetar a minha saúde. Além de dor no estômago e pescoço travado, eu comecei a ter cálculo renal”, conta. A resposta do médico foi direta: “seu problema é estresse”.

“Hoje me sinto incrivelmente melhor, meu sono está mais revigorante – eu tinha muito pesadelo e acordava muito durante a noite –, tenho mais disposição, minha pele e meu cabelo estão mais viçosos, sem contar meu humor, que melhorou muito. Minha expressão hoje é muito mais suave do que há alguns meses”, relata. “E não tenho mais nenhum problema de saúde”.

Passaporte para a Tailândia
Quando foi resgatada de um atoleiro com sua bicicleta por monges em uma viagem a Myanmar, em 2012, e recebeu na despedida um conselho de um deles (“acho que você deveria experimentar a meditação”), a escritora e blogueira Lívia Aguiar, 28, não imaginava que teria a oportunidade de voltar à Ásia, simplesmente por ter seguido a recomendação.

Ela está prestes a terminar um programa de autodesenvolvimento do “Peace Revolution”, projeto mundial de incentivo à paz que pressupõe o cumprimento de 42 lições de meditação diárias online. A experiência (que ela vai relatar em seu blog: eusouatoa.com), além de ajudá-la a organizar sua rotina de quem trabalha em casa e ser, como ela diz, “quase um remédio”, pode proporcioná-la uma nova viagem à Tailândia. “Quem chega até o final do programa se torna apto a participar de um retiro de duas semanas num monastério tailandês. Além de todos os benefícios, isso foi algo que me impulsionou a começar”, conta.