Galinha d’angola ganha a vez

Tô fraco? 

Trazida há séculos para terras brasileiras, a ave nobre está mais forte do que nunca na gastronomia e já se tornou a atração principal de muitos menus

Por Lorena K. Martins
Publicado em 16 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
Peito e coxa de galinha d’angola, preparados pelo chef Ivo Faria, do Vecchio Sogno. Para acompanhar, molho a base de pimenta-de-macaco Foto: Mariela Guimarães

Trazida ao Brasil por colonizadores portugueses, a africana galinha d’angola ficou conhecida em Minas Gerais pelos quintais das casinhas de interior em que parece gritar “tô fraco, tô fraco” para espantar supostos invasores. Além disso, é famosa pelo controle biológico devido ao hábito de alimentar-se de pragas, como insetos.

Foi assim que essa ave, de sabor forte e carne mais firme, que lembra a de uma típica carne de caça, começou a fazer parte dos cardápios mineiros. Chamada também de pintada ou faraona – em italiano – ela tornou-se a atração principal do menu do restaurante Tragaluz, em Tiradentes, há 17 anos. Embora suas penas características, pretas com pintas brancas, sejam quase um símbolo do artesanato local, curiosamente nenhum restaurante da região servia a galinha, até então. “Apesar de selvagem, a d’angola foi domesticada nos quintais da região do Campos das Vertentes e, por isso, surgiu a ideia de incorporá-la em nosso cardápio”, diz o empresário Pedro Navarro, que faz questão de manter pelo menos dois pratos fixos feitos com a ave, vinda de um produtor da Serra da Mantiqueira.

Um deles é a Pintada Tragaluz (veja receita ao lado), em que partes nobres da galinha, como a coxa e a sobrecoxa, são submetidas à técnica de confit, que consiste em um cozimento lento, em baixa temperatura, pelas mãos do chef Felipe Oliveira. Após confitada na gordura de porco, a ave mantém seu sabor único. Já sua carne, é mais escura e seca do que a galinha tradicional, ganha maciez e suculência. Todas as partes são aproveitadas para fazer caldos, inclusive o peito, ainda mais ressecado, também é desfiado e transformado em ragu para acompanhar o Arroz de Angola, outra receita servida na casa feita vinho branco, paio, molho roti, legumes, gengibre e limão siciliano.

Versatilidade

O ragu, uma forma de aproveitar a ave como um todo, pode ser transformado em recheio de massas e outras receitas. É assim no restaurante italiano Paratella. Após o cozimento da carne, são acrescentados temperos, ervas aromáticas e vinho. A mistura recheia pratos como lasanha de galinha d’angola com espinafre e cogumelos. Mesmo exótica, “ela tem uma facilidade de harmonizar com diversos ingredientes, como presunto Parma e cogumelos e isso faz com seja um grande curinga dentro da cozinha”, conta o chef João Maurício Siqueira, que recebe a ave, semanalmente, de um fornecedor de São Paulo.

Uma justificativa para o título de carne nobre, de acordo com João, é a pouca frequência na mesa de restaurantes do Estado, além do tempo de abate, que gira em torno de 120 dias – enquanto a galinha normal, 40. Sob encomenda, o produto pode ser encontrado no Mercado Central, em supermercados e açougues especializados, como o Ao Gosto – por lá o quilo da iguaria curta R$ 58,80.

Principal

Dos cozidos a receitas sofisticadas. O chef Ivo Faria, do restaurante Vecchio Sogno, gosta de utilizar o peito como protagonista, grelhado e servido apenas com molhos a base de frutas e vinho, como sugestão. “Já a coxa eu prefiro fazer ensopada com temperos a base de ervas, pois fica mais suculenta”, indica.

Nesse caso, ele conta que um detalhe faz a diferença no prato: “Sempre que servir uma coxa, deixe o osso e a pele, que tem cor mais escura, em evidência. Assim, a pessoa e vai ter certeza que está comendo uma galinha d’angola”, diz.

Receita

Pintada Tragaluz (Receita do chef Felipe Oliveira, do restaurante Tragaluz)

Ingredientes (serve duas pessoas)

- 1 galinha d’angola
- 1 kg de gordura vegetal
- 1 L de vinho tinto seco
- 100 g de cenoura
- 100 g de salsão
- 100 g de cebola
- 2 folhas de louro
- 1 maço de alecrim ou ervas de Provença
- 2 cravos
- 100 g de polenta
- 50 g de queijo grana padano
- 100 mL de leite
- 50 g de manteiga
- 100 g de cogumelos frescos
- 1 folha de taioba
- 100 g de farinha de trigo
- 1 colher (chá) de fermento químico
- 200 mL de óleo 
- Água e gelo o quanto baste
- Sal e pimenta à gosto
 
Modo de Preparo
Para a galinha:
Limpe e corte a galinha d’angola, separando a coxa e a sobrecoxa. Marine as duas partes por 24 horas no vinho tinto com cebola, cenoura, salsão, louro, sal e pimenta-do-reino. Depois, coloque-as em uma forma e inclua a gordura até cobri-las. Feche a forma com papel alumínio e confite a 125° no forno por duas horas.
- Para a polenta: 
Coloque o leite na panela, acrescente a polenta e, aos poucos, adicione água (cerca de 400 mL para a polenta italiana e cerca de 1 L para a polenta comum), mexendo sempre. Finalize com manteiga e o grana padano. Acerte o sal.
- Para o cogumelo: 
Em uma frigideira, coloque um pouco de manteiga e espere esquentar bem. Adicione um pouco de alecrim e “puxe” rapidamente os cogumelos. Reserve. Leve-os ao forno.
- Para o tempura:
Corte a folha de taioba em quadrados. Em uma vasilha, misture, água, gelo, farinha de trigo e fermento. Passe a taioba cortada nessa mistura e frite até dourar.