Gabinetona

Precisamos falar sobre violência política

Ataques e ofensas atingem principalmente mulheres negras

Por Andreia de Jesus
Publicado em 22 de outubro de 2020 | 03:00
 
 

Nossa presença na política incomoda. O sistema reage, de forma violenta, a essa presença. A grande maioria da população não se vê representada nos espaços de poder, que continuam clubes privados de uns tantos homens brancos, de umas poucas famílias. Mas, aos poucos, vamos encontrando brechas, ocupando espaços e buscando ampliar as frestas para que mais de nós passem também.

Pode parecer pouco. Mas, como lembra a companheira Angela Davis: quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela. A estrutura reage a essa movimentação com solavancos bruscos. A pesquisa sobre violência política realizada pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global mostra como o regime de morte, assédios, ameaças, agressões e intimidações constantes em que atuam defensoras e defensores de direitos humanos se estende para a arena da disputa política e eleitoral.

A partir de notícias publicadas na imprensa, a pesquisa mapeou 327 casos de 1º de janeiro de 2016 a 1º de setembro deste ano. Um dos dados que chamam atenção no levantamento é que, quando se trata de ofensas, as mulheres são 76% das vítimas. Também na política, a violência de gênero tem um pressuposto – homens não reconhecem mulheres como seres iguais, o que faz com que elas fiquem mais expostas a ofensas e humilhações – e um sentido – o de nos atirar para fora dos espaços públicos e nos devolver para o âmbito estritamente doméstico. No fundamento dessas ofensas, em mais de um terço dos casos analisados, está presente o racismo, fazendo com que políticas mulheres negras sejam o alvo principal dessa forma de violência. No contexto da pandemia, com muitas atividades realizadas de forma online, temos visto o crescimento de ataques virtuais, com ofensas racistas em comentários, invasões de reuniões, tentativas de roubo de contas.

Mesmo no exercício de um mandato parlamentar, me deparo cotidianamente com essas situações, com insinuações e questionamentos sobre a minha legitimidade para atuar nesse espaço, tentativas de me intimidar. Sabemos que a institucionalidade por si mesma não nos protege, inclusive porque, em muitos casos, os autores dessas violências também estão nos espaços de poder. Um elemento preocupante é a militarização da política, seja na repressão policial a manifestações democráticas, seja na multiplicação das bancadas da bala pelo país. A militarização traz a reprodução, nas diversas esferas, de lógicas autoritárias, em que o uso da força substitui o diálogo e que vai cerceando as liberdades constitucionais.

São 953 dias sem nossa irmã Marielle Franco e sem a resposta de quem a mandou matar e por quê. Vemos agora outra companheira, a deputada estadual Talíria Petrone, do Rio de Janeiro, também sofrendo e denunciando graves ameaças contra sua vida. São feridas abertas, que ressignificamos com muita luta.

Minha trajetória na militância antiprisional já havia me ensinado que, com uma Justiça racista e seletiva, todos os presos são presos políticos. Também com a Coalizão Negra por Direitos, repetimos que com racismo não há democracia. A democracia que almejamos não é um retorno a um arranjo meramente institucional, que deixa fora a população negra, as mulheres, a maioria do povo. Queremos uma democracia em que caibam todas as pessoas, em que se garantam direitos básicos, incluindo o direito de atuar politicamente por uma vida melhor. O crescimento e o espraiamento da violência política são mais uma forma de bloquear a participação de setores mais amplos e vão corroendo ainda mais nossa frágil democracia. O silêncio é o objetivo dessas violências, por isso é preciso seguir denunciando essas agressões. Não nos calarão!