Crise no Planalto

Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade? Veja opinião de juristas

Juristas e advogados criminalistas apontam gravidade das declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e avaliam possibilidade de que presidente Jair Bolsonaro responda na Justiça por supostas irregularidades

Por Franco Malheiro e Marcelo da Fonseca
Publicado em 24 de abril de 2020 | 18:17
 
 
bolsonaro fotojpg Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A ocorrência de possíveis crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro divide juristas e advogados criminalistas. Após declarações do ex-ministro Sergio Moro, na manhã desta sexta-feira (24), surgiram questionamentos se o presidente teria prevaricado ou cometido ato de falsidade ideológica.

Para alguns juristas, o pronunciamento já é suficiente para que Bolsonaro responda na Justiça por irregularidades, outros consideram necessários documentos e provas para caracterizar os crimes. 

A Procuradoria Geral da República (PGR) pediu investigação por supostos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, denunciação caluniosa e crime contra a honra. O órgão pede que sejam apuradas todas as ações que foram citadas pelo ex-ministro. 

“De fato, se Bolsonaro realmente tentou interferir nos trabalhos da PF e na sua autonomia, buscando criar equipe de diretores para satisfazer os seus desejos pessoais, obter relatórios internos, ele atuou de forma incompatível com o decoro, com a probidade, com a impessoalidade, que são inerentes à administração pública”, avaliou Conrado Gontijo, advogado criminalista e doutor em direito penal pela USP. 

Para o jurista José Alfredo Baracho Jr., os próximos movimentos de Moro podem influenciar o futuro do presidente, mas apenas declarações em um pronunciamento são insuficientes.

“Acho a questão da falsidade ideológico muito pouco consistente. Pronunciamentos políticos ou à imprensa não significam acusação ou afirmação categórica sobre algo. Pode ficar apenas com Moro dizendo que Bolsonaro fez, e Bolsonaro dizendo que não fez. Até agora Moro não evidenciou nenhuma prova ou indício de prova, fez mais insinuações do que dizer efetivamente se houve prevaricação”, avalia Baracho. 

Baracho avalia que uma interferência no comando da Polícia Federal para se beneficiar poderá resultar em uma denúncia contra Bolsonaro, mas ainda não é possível afirmar que isso tenha acontecido.

“Podemos ter elementos para configurar o crime de prevaricação. Se o presidente estaria, ao conduzir o chefe da PF de acordo com seus interesses, prevaricando. Para isso, a Procuradoria Geral da República precisará de elementos mais concretos. Somente se houver novos desdobramentos vamos saber disso”, analisa o constitucionalista. 

O professor titular de direito penal da USP, Sérgio Salomão Shecaira, também apontou a necessidade de se apurar as declarações de Moro, mas que, se confirmadas, ficam claras as irregularidades cometidas por Bolsonaro.

“Muito embora condicionado à veracidade do que foi dito por Moro hoje, e por isso é necessária uma investigação, há sim a existência de crimes. Um de responsabilidade, uma vez que o Bolsonaro teria utilizado da sua posição como presidente para interferir em um órgão público o que configura como crime de responsabilidade. E pelo menos dois outros crimes previstos no código penal, que seria o de falsidade ideológica, pois ele coloca uma assinatura do ministro que afirma que não assinou, e o outro seria o da prevaricação. Esses três crimes dariam embasamento jurídico para um processo de impeachment”, afirma Salomão Shecaira. 

No entanto, o professor faz ressalvas à postura do ex-ministro Sergio Moro. “Eu avalio a saída do Moro como uma jogada oportuna para ele. Ele deixa o governo em um momento que coincidentemente a corda está bamba para o presidente, porque, se formos avaliar os fatos, em outras oportunidades, ficou claro que Bolsonaro exerceu interferência direta nas investigações em andamento na Polícia Federal, e Moro nada fez. Nesse sentido, se Jair Bolsonaro prevaricou, o Ministro também prevaricou em outros momentos”, diz o penalista. 

Impeachment

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida, o Kakay, afirma em sua avaliação que as denúncias de Moro são inéditas na história do Brasil e que não vê outra saída que não o impeachment de Bolsonaro. 

“A saída do ministro Moro se dá de certa forma surpreendente, pois ele, ao sair, faz uma espécie de delação contra seu chefe, o presidente Bolsonaro. Ele admite que o presidente cometeu uma série de crimes, não só crimes de responsabilidade como crimes comuns, e que agora vão ter que ser investigados. Isso nunca ocorreu na história do Brasil, em que um Ministro da Justiça ao sair do cargo impute crimes ao presidente. Isso é gravíssimo. Eu não vejo outra saída para crise no país senão o impeachment”, avalia Kakay.

O criminalista ainda ressalta que também pairam suspeitas sobre a postura do ex-juiz. Para Kakay, é necessário que se investigue tanto os crimes de Bolsonaro apontados no discurso de Moro bem como se o ex-ministro cometeu crime de prevaricação em outros momentos.

“Que o Moro era inepto ao cargo todos nós sabíamos, ele como ministro da Justiça não fez nada. Agora, o que nós não sabíamos era que ele era um prevaricador. Se ele afirma que o Bolsonaro pediu mais de uma vez não só para mudar o delegado ou para entregar relatório de investigações, é óbvio que o ministro prevaricou. É claro que ele deveria imediatamente pedir à Procuradoria Geral da República que fizesse uma investigação severa contra Bolsonaro, que estaria obstruindo a Justiça. Não podemos esquecer que, por muito menos, Moro, como juiz, pediu a prisão de outros alegando tentativa de obstrução de Justiça”, conclui.