Na ofensiva para conquistar o chamado “voto cristão”, os dois principais candidatos à presidência, segundo as pesquisas de intenção de voto, têm intensificado uma batalha de retórica para disputar, sobretudo, os eleitores evangélicos. Enquanto aliados de Jair Bolsonaro ( PL) tentam colar a ideia de que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria uma ameaça ao funcionamento das igrejas, correligionários do ex-presidente atuam de forma a reduzir a resistência entre os cristão e buscam uma maneira de contra-ataque para recuperar esse voto de apelo religioso.
Segundo a última pesquisa DATATEMPO, Bolsonaro continua apresentando grande vantagem sobre Lula no eleitorado evangélico mesmo com a recente ofensiva que o ex-presidente tem feito nos últimos dias para tentar recuperar um pouco de espaço nesse público. De acordo com o levantamento, divulgado na última semana, entre os praticantes da religião evangélica o petista oscilou de 28,9% para 31%, enquanto Bolsonaro foi de 49,8% para 47,8%.
Não à toa, que a poucos dias do primeiro turno das eleições, Lula, que mesmo liderando as pesquisas de intenção de voto, voltou a batalhar pelo voto cristão. Nesta semana, o petista e Marina Silva (Rede) fecharam aliança após anos distantes na aposta que a ex-senadora consiga aproximar o eleitorado evangélico para a campanha do ex-presidente. A ambientalista classificou a reaproximação como ‘necessária’ pelo contexto de ameaças democráticas representadas por Bolsonaro e seus aliados.
Na última semana, Lula se reuniu também com lideranças evangélicas e tem feito questão de se apresentar como alguém ligado a Deus. No Rio de Janeiro, o petista chegou a afirmar que não teria chegado aonde chegou se não fosse a mão de Deus dirigindo os seus passos. “Duvido que alguém tenha cuidado e garantido a liberdade de criar igreja e praticar a fé como eu. Eu fiz isso porque aprendi que o Estado não deve ter religião, não deve ter igreja, e sim garantir o funcionamento e a liberdade de quantas igrejas o povo quiser criar”, afirmou o petista, que recebeu apoio de diversos pastores na ocasião e aproveitou para criticar pastores como Marco Feliciano, que tem tentado associar a sua imagem com a de “não cristão”. Durante toda a campanha, diversos áudios gravados durante cultos têm sido compartilhados nas redes sociais afirmando que Lula vai fechar templos cristãos e perseguir religiosos se for eleito presidente em outubro.
Na ofensiva para conquistar votos dos evangélicos, a campanha de Lula tem instruído aliados a irem para as igrejas na periferia para desconstruir a narrativa criada pelos aliados de Bolsonaro. Em contraposição ao apoio de grandes igrejas e pastores ao presidente, em Minas Gerais, segundo o ex-deputado federal, Gilmar Machado, candidato ao pleito esse ano, a militância do partido tem trabalhado em espalhar panfletos, na porta de cultos, que ressalta que Lula criou a Lei da Liberdade Religiosa e nem irá fechar igrejas.
"Nós vamos usar os mesmos métodos deles. Somos contra usar o púlpito e o ambiente da igreja, fazemos nossa discussão toda do lado de fora. Queremos mostrar que o verdadeiro cristão não mente, não faz sinal de arma com as mãos. É um trabalho de formiguinha, porque a verdade demora mais do que a mentira para chegar", destacou o ex-prefeito de Uberlândia, que é membro da Igreja Batista há 46 anos. Segundo o político, a tática petista tem irritado um grupo de protestante que tem rasgado os panfletos durante as ações que tem acontecido em todo o Brasil. "A nossa tarefa não é diminuir o apoio dos evangélicos (ao Bolsonaro), é que não cresça mais. Queremos estabilizar", pontuou.
Recentemente, a Frente de Evangélicos por Direitos também anunciou apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Nilza Zacarias, coordenadora nacional do grupo, que atua em 20 Estados do Brasil, inclusive em Minas Gerais, a aliança é um protesto "pelo falso uso que Bolsonaro faz do discurso cristão”. "Ele se apropria dos discursos das mulheres usando a Michelle. Ele usurpa a fé de quem o rodeia e faz um jogo para um grupo de pastores, que se acham generais da fé e se prestam apoio em nome de projetos de poder. O Bolsonaro usa a igreja quando o convém, ele não é cristão”, avalia Nilza.
De acordo com ela, o movimento também tem entregado cartilhas nas comunidades evangélicas. "O que o Bolsonaro faz é plantar mentiras. Nenhum presidente pode interferir na igreja, a constituição já garante, inclusive, a liberdade a todo tipo de culto. O Estado é laico, assim como o aborto já é previsto em lei para casos específicos. Não tem que se discutir o que já está na lei. Estão lançando armadilhas, mas um cristão pode votar em quem ele quiser, inclusive, a postura evangélica é muito mais vanguardista do que a católica, a exemplo do divórcio”, argumenta a coordenadora em referência ao discurso usado por aliados do presidente.
“Guerra Santa”
Em Belo Horizonte, o vereador Nikolas Ferreira (PL), candidato a deputado federal, tem reafirmado constantemente em suas redes sociais o discurso de que “não é possível ser cristão e ao mesmo tempo votar em Lula”. Em seu último vídeo postado no Youtube, o político faz um alerta aos evangélicos ao mostrar a fala de uma mulher afirmando que a esquerda tem planos de se infiltrar nas igrejas e influenciar a partir das crianças.
Em diversos vídeos, o aliado do presidente mostra também uma imagem de Lula ao lado do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. O vereador ainda ironiza uma nova versão "Lula cristão" ao mostrar a imagem de um tweet falso, em que o ex-presidente supostamente defende a ação do vereador de Curitiba, Renato Freitas (PT), por ter invadido uma igreja para protestar contra o racismo.
"A religião não é uma estratégia política. Para nós, é uma forma de enxergar o mundo e de viver. Só o Lula que usa a religião para se eleger. O Bolsonaro vai continuar com (o lema) ‘Brasil acima de tudo e Deus acima de todos’, é muito mais que slogan, é forma de mostrar que Deus de fato é o senhor que comanda", argumenta o parlamentar em entrevista a O TEMPO.
O deputado federal Junio Amaral (PL), candidato à reeleição, corrobora com o argumento de Nikolas. Durante a campanha, Amaral enviou em seu canal no Telegram uma mensagem pedindo para que seus eleitores espalhassem o vídeo em que a professora da USP, Ermínia Maricato, afirma, em um palanque antes de Lula discursar em São Paulo, que as áreas pobres das grandes metrópoles são "dominadas por igrejas que fazem parte de uma verdadeira máfia"."Espalhem esse vídeo nos grupos das igrejas e dos seus amigos cristãos. Eles aparecem nas igrejas de quatro em quatro anos para enganar o povo de Deus, mas quando estão só entre eles, são assim e falam o que pensam", dizia a mensagem.
De acordo com o deputado, não existe uma estratégia para atacar Lula. Segundo ele, a abordagem "é simplesmente falar a verdade". "Não tem que se elaborar abordagem sobre isso, é só relatar o que eles mesmo já afirmam. As defesas da esquerda são contrárias aos valores cristões. O próprio Marx, que é uma das referências do pensamento progressista, como preferem chamar, falava que a religião é o ópio do povo. Ele condenava a existência da religião como referência da moral de uma sociedade", avaliou.
Voto Católico
Bolsonaro tem melhorado os índices de intenção de voto em Minas Gerais, sobretudo, entre os católicos. De acordo com a última pesquisa DATATEMPO, o atual presidente pulou, entre agosto e setembro, de 27,3% para 32,5% entre esse público, enquanto Lula passou de 50,5% para 43,5%.
PT ameaça processar fake news
Lula tem afirmado que o melhor a ser feito é ignorar a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de transformar a eleição em uma “guerra santa”. Nos bastidores, membros do Partido dos Trabalhadores, no entanto, têm trabalhado em desmentir os boatos. O coordenador da campanha presidencial do PT em Minas Gerais, o deputado Reginaldo Lopes, é categórico ao afirmar que irá processar todas as pessoas que insistirem em "fake news".
No último mês, a legenda ingressou com uma ação na Justiça para que o deputado Marco Feliciano (PL-SP) apresentasse provas sobre as declarações em que disse que Lula fecharia igrejas caso fosse eleito presidente.
Em Minas Gerais, o deputado federal Odair Cunha (PT) tem seguido a orientação do partido para que a militância desminta os aliados de Bolsonaro. Em suas redes sociais, o parlamentar, que tenta a reeleição, publicou um vídeo reforçando que Lula é cristão. "O presidente é cristão, é católico, ele se conhece assim. Ele não vai usar a religiosidade dele para fins eleitoreiros. A fake news é uma prática eleitoral deles (bolsonaristas), infelizmente, já esperávamos", argumentou.
Na avaliação do deputado estadual Cristiano Silveira, presidente do PT no Estado, Bolsonaro e seus aliados têm “apelado por desespero eleitoral”. "Eles deveriam estar preocupados com o caos deixado no Brasil, pelo antiCristo que eles apoiam. O Lula governou e nunca fechou nenhuma igreja. Pelo contrário, criou a lei que permite às igrejas terem personalidade jurídica, a lei da marcha para Jesus, entre outros", pontuou.
Para o sociólogo e professor de marketing da ESPM, Gabriel Rossi, a campanha petista erra ao não conseguir dialogar com a militância sobre a importância do voto religioso. O principal erro, segundo o especialista, é o estereótipo criado entre os evangélicos. "A militância não colabora, os cristão são muitas vezes caricaturizados, isso que incomoda eles. O mundo evangélico é complexo e cheio de nuances. A classe média desse público é muito mais progressista do que se pode imaginar", analisa Rossi, que ressalta que a recente aproximação petista com o eleitorado conservador pode ser vista como oportunismo.
O cientista político Adriano Cerqueira concorda e acrescenta que se Lula for eleito terá que continuar fazendo esforço para cativar o público evangélico durante um eventual mandato. "Daqui 10 anos, o público cristão será a maioria. Será preciso falas mais convincentes sobre costumes e valores e até mesmo repensar os valores do partido. O Lula não fica tão à vontade sobre essas questões e ele nem vem muito a público desmentir a estratégia dos adversários em desgastar sua imagem a regimes ditadores”, avaliou.
Neutralidade
Enquanto Lula e Bolsonaro têm aproveitado os holofotes para conquistar o voto religioso, o candidato do PDT à presidência, Ciro Gomes, por sua vez, tem criticado os ataques de teor religioso entre os adversários. Em suas redes sociais, o ex-ministro alfinetou os adversários e disse que eles estão "se tornando iguais" por usarem o nome de Deus "em vão".
"Aonde se misturou política corrupta com religião deu em genocídio. Se proteja, meu irmão. Você tem o direito de adorar a Deus da forma como você deseja adorar, e o papel do presidente da República é respeitar todas as formas de adorar a Deus e até proteger aqueles que não tem condições de ter fé", afirmou Ciro em entrevista ao SBT.