Se o presidente Jair Bolsonaro levar em conta o histórico de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) abertas às vésperas de eleições, ele tem motivos de sobra para acender o alerta máximo no Planalto com o início da CPI da Covid. Entre as centenas de CPIs no Parlamento brasileiro instaladas desde a Constituição de 1988, as que tiveram maior repercussão política e geraram enorme desgaste para governantes aconteceram exatamente em períodos que antecederam eleições presidenciais. 

Entre 1988 e 1989, às vésperas da primeira eleição direta pós-ditadura militar, foram abertas quatro CPIs, uma delas para tratar de “irregularidades, inclusive corrupção, na administração pública”. No relatório final, foram apontados desvios de recursos públicos para “padrinhos políticos” do governo federal, e os deputados pediram o impeachment do então presidente, José Sarney, e de dois ministros de seu governo. 

Em 1993, outra investigação sacudiu o mundo político. A CPI do Orçamento investigou entre 1993 e 1994 (ano em que Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente) parlamentares, governadores e ministros. Apelidada de “CPI dos Anões do Orçamento”, a comissão apurou um esquema de direcionamento de verbas para entidades filantrópicas e empresas-fantasmas ligadas a políticos e laranjas. Oito parlamentares foram cassados, e outros quatro renunciaram após o relatório final da comissão. 

A CPI dos Correios, instalada em junho de 2005 (durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), foi o primeiro passo para que viesse à tona um esquema de pagamento de mensalidades para que deputados votassem projetos a favor do governo no Congresso. Conhecido como “mensalão”, o escândalo se tornou o principal tema político da década seguinte, levou à queda de ministros importantes do governo petista e só foi concluído em 2012, com um julgamento que atraiu todas as atenções para o Supremo Tribunal Federal (STF). 

O relatório final da comissão, que era presidida pelo então senador Delcídio do Amaral, pediu que o Ministério Público indiciasse mais de cem pessoas, entre elas os ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, os empresários Marcos Valério e Duda Mendonça e dezenas de deputados e ex-deputados. O texto foi apresentado em abril de 2006, meses antes da eleição presidencial. Apesar da grande pressão política causada pelo mensalão, o ex-presidente Lula se reelegeu no mesmo ano. 

Outra CPI instalada às vésperas de eleições foi a da Petrobras. Ela foi criada pela primeira vez em 2009, um ano antes da eleição presidencial de 2010 (quando Dilma Rousseff se elegeu pela primeira vez). No entanto, ficou paralisada por anos e só foi retomada em 2014 – novamente próximo de uma eleição – após o surgimento da operação Lava Jato. Em campanha pela reeleição, o governo Dilma trabalhou para impedir sua instalação, e a senadora Ana Rita Esgário (PT-ES) tentou um mandado de segurança no STF para suspender a comissão. A tentativa não deu certo, e o grupo foi formado em junho de 2014. 

A CPI convocou diretores da estatal, como Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor Cerveró, e causou grande desgaste ao governo petista. O relatório final da comissão, no entanto, com mais de mil páginas, não pediu o indiciamento de ninguém e apenas solicitou o aprofundamento das investigações. 

Dois anos depois, em delação premiada, Delcídio do Amaral afirmou que houve pagamento de propina para que parlamentares evitassem algumas convocações na CPI. Até hoje, parte da delação do ex-senador é contestada, e vários pontos se mostraram falsos. 

Punições vieram mesmo com viés político

Para o advogado constitucionalista Acácio Miranda, o uso com viés eleitoral das CPIs se tornou comum na política, mas, mesmo influenciadas por articulações eleitorais, elas se tornaram ao longo da história brasileira pontos importantes para aberturas de investigações. 

“Os parlamentares responsáveis pelas investigações, por si só, são políticos. É natural que as apurações tenham viés político. Apesar do viés eleitoreiro, as CPIs reverberaram em grandes processos judiciais e em uma série de condenações”, avalia Miranda. 

Segundo ele, apesar de as CPIs não terem o poder de condenar ninguém, alguns relatórios produzidos em comissões parlamentares apontaram ao Ministério Público indícios fortes de crimes e irregularidades.

Conforme o cientista político Magno Karl, diretor executivo do movimento liberal Livres, o impacto político da CPI da Covid nas eleições do próximo ano dependerá de sua repercussão junto à sociedade. “Não dá para prevermos o resultado de uma CPI. Temos várias CPIs abertas no Congresso, aos montes. Mas, a existência, por si só, não garante que ela se tornará um fator importante na política do país. Elas dependem de dois fatores importantes: os fatos que conseguem levantar e a capacidade de capturar a atenção da população”, afirma Magno.