Diante dos desafios do custeio e sustentabilidade do sistema de transporte público, o governo do Estado vai apresentar nos próximos dias uma proposta de integração operacional e tarifária do transporte coletivo na região metropolitana de Belo Horizonte. A proposta ainda é preliminar e tem como principal objetivo racionalizar o transporte público da Grande BH, reduzindo custos e ampliando o número de usuários.
Segundo o subsecretário de Mobilidade da Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra-MG), Gabriel Fajardo, ainda não há um modelo definido de integração, mas há propostas de unificação do sistema de bilhetagem eletrônica, integração tarifária com desconto para os usuários, e até mesmo a integração física do sistema de transporte coletivo por meio de estações, como já ocorre nas estações de metrô do Vilarinho e do Eldorado.
“A gente faria uma integração operacional, porque tem muita linha do metropolitano sobreposta à linha municipal, e linha municipal sobreposta ao metropolitano. Seria uma reorganização da rede viária e, além disso, uma integração tarifária. Agora, como, quais as as condições e como funcionaria, isso tudo está sobre a mesa”, disse.
No entanto, o subsecretário não adiantou os termos da integração porque, segundo ele, o modelo será definido em fóruns de discussão com os 34 municípios da região metropolitana, sociedade civil e os concessionários do transporte público.
A primeira reunião mais formal para tratar do tema será no próximo dia 14, quando a Seinfra deve apresentar uma primeira proposta aos municípios da Grande BH e definir uma agenda de encontros. Mas, ao longo do ano passado, o Estado se reuniu com a maioria dos municípios separadamente.
“Já tivemos contato com muitos municípios neste trabalho, praticamente todos da região metropolitana, e a gente pretende agora, no ano de 2022, fazer fóruns de discussão com os municípios, com a sociedade civil, com os operadores para a gente poder avançar nessas propostas. Não tem nada definido e isso tudo precisa ser avaliado em conjunto, mas existe uma intenção do governo do Estado de investir nessa pauta”, disse.
Esse tema também foi abordado na reunião realizada na última segunda-feira (3) entre a Seinfra, a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana (ARMBH) e as prefeituras, que debateu o reajuste da tarifa do sistema de transporte de passageiros metropolitano. A reunião terminou sem nenhuma definição sobre reajuste e, segundo o presidente da Autarquia Municipal de Trânsito e Transportes de Contagem (Transcon), Renato Ribeiro, é justamente nesse contexto que surge a proposta do Estado de integração.
“A gente teve uma reunião dos municípios da região metropolitana e o governo do Estado e uma nova questão que surge agora é o déficit das operadoras de transporte coletivo. Ou seja, veio a pandemia e teve uma queda de demanda muito grande, e tem um serviço muito maior do que a gente ofertava antes. Além disso, teve 30% de aumento no diesel este ano e 10% no salário do motorista, ou seja, o custo operacional aumenta. Então, esse assunto volta à tona quando é posta a seguinte questão: ou a gente subsidia, ou repassa para o usuário ou pensa uma forma de reduzir custos desse sistema, sem perder qualidade. A forma de reduzir custos sem perder qualidade é integrar essa rede”, disse Ribeiro.
Ainda segundo o presidente da Transcon, a rede é sobreposta em grande parte do circuito metropolitano e retirando-se a sobreposição, haveria redução de custos. Ele estima que seja em cerca de 70% das linhas metropolitanas. “Isso me dá uma economia muito grande no sistema e o peso da mão de obra é muito grande”, avalia.
Além da redução de custos e de tarifa, o subsecretário Gabriel Fajardo aposta que a integração pode atrair mais usuários - revertendo assim um quadro cada dia mais grave de redução do número de passageiros e comprometimento da sustentabilidade do modelo, que é, inclusive, muito anterior à pandemia.
“A gente acredita muito que é preciso investir no transporte público de qualidade atraindo novos usuários. Hoje, a gente vê dificuldade no uso do transporte por aplicativo e a gente acha que o transporte coletivo precisa de investimento. Então, a gente está fazendo isso,dessa forma com a integração, mas também desenvolvendo, por exemplo, o projeto de concessão do metrô, que vai ter a linha 2”, disse. O metrô de BH deve ser concedido à iniciativa privada ainda neste ano com aportes da União e do Estado para a construção da linha 2, que vai ligar a estação Calafate à região do Barreiro, na capital mineira.
Plano de Mobilidade
Segundo o subsecretário da Seinfra, Gabriel Fajardo, a iniciativa da integração do transporte metropolitano surgiu após uma parceria entre a Secretaria e a ARMBH, que realizou diversos estudos sobre o transporte da região.Um dos objetivos, segundo o subsecretário de Mobilidade da Seinfra, Gabriel Fajardo, é apresentar um Plano de Mobilidade - previsto na lei federal 12.587/12 - até julho deste ano.
“Isso (a proposta de integração) faz parte desse Plano de Mobilidade que o governo está fazendo e que vamos terminar ainda este ano. Esse plano envolve tanto transporte coletivo, quanto plano de logística, transporte ativo - que é quem usa patinete, ou anda a pé”, disse.
Integração tarifária é um grande desafio para o Estado
Um dos objetivos do Estado com a integração do transporte é a unificação de tarifas e do sistema de bilhetagem eletrônica - medida pode enfrentar resistência se impactar nos contratos já estabelecidos com as empresas que operam o transporte na região.
Segundo o subsecretário Gabriel Fajardo, um cartão único que abarque todo o sistema de metropolitano, bem como desconto na tarifa para o usuário, é o que o Estado busca com a integração. No entanto, a viabilidade da medida ainda será avaliada, já que pode gerar ônus aos concessionários metropolitanos - cujo contrato termina somente em 2038.
“Esse desconto poderia ter impacto nos contratos, então (estamos pensando) em como que a gente conseguiria equalizar isso. Mas, sem dúvida, o objetivo, ou o sonho do Estado, é ter um cartão único porque hoje nós temos nove cartões no transporte da região metropolitana”, disse o subsecretário.
Fajardo não descarta a possibilidade de uma revisão nos contratos, caso haja necessidade, e disse que isso se daria no âmbito de uma mesa de mediação já instituída desde 2020 do governo junto aos concessionários do sistema metropolitano e ao Tribunal de Contas da União do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). “Mas (antes disso), precisamos fechar a proposta para saber qual será o impacto”, explicou.
A integração tarifária também é uma preocupação do presidente da Transcon, Renato Ribeiro, que ainda aguarda a proposta forma do governo para avaliar. “Temos um problema de política tarifária e de contratos diferentes e isso tudo tem que ser equacionado para se viabilizar. Ou seja, como vamos ratear os custos desse sistema? Este imbróglio é que precisa ser superado e não é um debate fácil, mas precisa ser enfrentado”, disse. Ele acrescentou ainda que na região metropolitana há contratos distintos, e empresas diferentes, em alguns casos - o que não é o caso de Contagem, que tem grande parte de suas concessionárias também operando o sistema metropolitano.
Atualmente, já existe uma integração tarifária, inclusive com desconto para o usuário, entre o sistema de transporte metropolitano, bem como o sistema de transporte de BH e de Contagem, com a linha 1 do metrô. A ideia do secretário é expandir essa integração. “Para a gente poder definir isso em relação às outras cidades, a gente precisaria avaliar cada um dos contratos, a demanda, e é nisso que a gente vai investir agora”, disse.
Integração é fundamental, mas esbarra em interesses das empresas, avalia especialista
O economista e integrante do movimento Tarifa Zero, André Veloso, avalia que a integração do sistema de transporte público é fundamental em qualquer discussão sobre medidas de priorização do transporte coletivo nas grandes cidades. “Não faz sentido as cidades conurbadas e funcionando em um raio metropolitano e seus sistemas de transporte coletivo não estarem integrados”, disse o especialista em mobilidade urbana.
Ainda segundo Veloso, no caso da Grande BH, a não integração atende a interesses dos grandes concessionários já que muitos deles operam em mais de uma cidade da região. “Eles não integram porque é mais vantajoso para eles receber pelo mesmo trecho e por passageiros ou sistemas diferentes. Então, o grande obstáculo para a integração é o poder das empresas de ônibus”.
“Tem muitas que operam nos sistemas municipais e metropolitanos. Então, administrativamente elas já são integradas porque são as mesmas empresas operando em sistemas diferentes”, disse. Outro exemplo dado pelo especialista é o fato de que, no caso da capital mineira, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano funcionam no mesmo prédio.
Por outro lado, Veloso avalia que o momento é propício à discussão já que o atual modelo de transporte público tem apresentado problemas, sendo o principal deles a redução sistemática do número de passageiros - o que foi agravado pela pandemia de Covid-19.
“Todos os municípios e regiões metropolitanas estão tendo que lidar com essa questão e esse é o momento para reconfiguração e reestruturação, justamente, porque esse formato de atuação das empresas como está colocada está com os dias contados”, avalia
Além disso, o aumento dos custos, puxado pela alta no preço dos combustíveis, levou prefeitos organizados pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) a buscar o Legislativo e o Executivo federais no final do ano passado em busca de formas de financiamento do transporte público, especialmente nas grandes cidades, sob risco de colapso em 2022. No entanto, ainda não houve nenhuma solução da União ou do Congresso para a questão.
Atualizada às 18h41