Marco Antônio Felício

Chantagem nuclear e os pacifistas

Política externa e jogo de interesse das potências

Por Da Redação
Publicado em 15 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 

Uma política externa fundamentada na diplomacia respaldada pelo poderio militar, inclusive nuclear, se caracteriza muitas vezes pela hipocrisia e pela desfaçatez com que os principais atores agem na arena internacional. O realismo político sobrepuja o idealismo e o pacifismo decantados pelos que não enxergam o mundo como ele é: pleno de conflitos violentos. A paz mundial é resultante da estratégia denominada “paralisia pelo terror”.

Na maior parte dos conflitos em que estejam em jogo os interesses das grandes potências nucleares, o objetivo é a busca da prevalência do interesse próprio, mesmo que para isso se usem a mentira, a manipulação dos fatos, a retaliação econômico-financeira, a indiferença para com a maioria da opinião pública ou, ainda, a ameaça ou o uso do poderio militar – não descartando o nuclear. Resumindo: independentemente das circunstâncias, manda quem pode, obedece quem deve!

A história recente comprova a afirmação. Vide a invasão do Iraque motivada pelo suposto uso de armas de destruição em massa e pela “necessidade” de se implantar a democracia na região. Hoje, sabe-se que o presidente norte-americano mentiu, e seus auxiliares manipularam fatos. Respaldados por mentiras, ocuparam o Iraque, mataram milhares de soldados e civis e também expuseram mazelas como a tortura indiscriminada de prisioneiros.

Hoje, Iraque é um pântano traiçoeiro, um país semidestruído para o qual prometeram a reconstrução. Nativos, curdos, xiitas e sunitas e outros vivem em complexa situação, temperada pelo ódio ao estrangeiro, por ódios raciais e religiosos e longe da paz e da democracia prometidas.

Convulsionaram violentamente o Oriente Médio, propiciando a disseminação do terrorismo por quase todo o mundo. Buscaram não a democracia ou a destruição de armas nucleares, químicas e biológicas, mas o controle geoestratégico da região, riquíssima em petróleo e gás, fatores de poder econômico e militar.

Os amantes do direito internacional e os contrários ao uso do poder militar acham absurdo um país – que se diz o defensor da democracia, da liberdade, da justiça e do direito, em todas as suas formas – se outorgar a prerrogativa de, tiranicamente, impor ao resto do mundo o que é certo ou errado, o que se pode ou não pode fazer, que regime político, forma de governo ou costumes adotar, que religião professar, que valores privilegiar e, ao mesmo tempo, relacionar-se com outras nações com poder militar nuclear diferentemente, isto é, com respeito a suas soberanias – mesmo que sejam governos ditatoriais!

Mantendo a mesma linha de política externa, volta-se o governo Trump contra o Irã. Este incrementa o domínio do enriquecimento do urânio, embora partícipe do Tratado de Não Proliferação de Armamentos Nucleares (TNP), e pode se tornar país com poder nuclear. Importante ator na região e vizinho do Iraque, o Irã é um Estado teocrático de população persa, mas de religião predominantemente xiita. Ele se antagoniza fortemente com a influência norte-americana e possui uma linha de conduta independente de alinhamentos externos.

Russos e chineses também atuam de forma similar, em menor escala, com foco nos seus interesses nacionais. Já se fazem presentes ostensivamente na América Latina a contragosto dos norte-americanos e do Grupo de Lima. Apoiam Nicolás Maduro na Venezuela – inclusive militarmente – na fronteira com Brasil e outros países. Os chineses, em grande base, estão na Argentina.

Além disso, os russos anexaram a Crimeia e se envolveram intensamente no conflito sírio, bem como os chineses projetam força em territórios adjacentes, como Hong Kong e Taiwan, atualmente.

Pensam os caolhos pacifistas: no caso do enriquecimento do urânio, não seria mais correto e democrático o estabelecimento pela ONU de um tratado que desnuclearizasse completamente todas as nações do mundo, inclusive as que já controlam essa tecnologia, evitando chantagem nuclear nos conflitos de interesses?

Esquecem-se de que a realidade política prevalece e que aqueles quem têm poder e capacidade de dominar e influenciar, como os EUA, não aceitariam – como não aceitam – qualquer outra coisa que lhes possa trazer prejuízos ou diminuição de poder.

Carregam, os governantes brasileiros, imensa responsabilidade pela sustentação de decisões diplomáticas garantidoras da segurança externa do país, respondendo aos interesses nacionais, interna e externamente. Há a enfatizar as inúmeras riquezas de que dispomos, entre elas a floresta amazônica com toda a sua biodiversidade, as notáveis jazidas minerais, a água em abundância, as extensas terras agricultáveis, os combustíveis de fontes renováveis, os campos de petróleo em alto-mar etc. Riquezas que já são e serão cada vez mais motivo de cobiça internacional, num mundo violento de recursos cada vez mais escassos. Talvez a resposta, segundo a aguda visão estratégica vinda da cultura futebolística, seja a seguinte: “Quem não faz, toma” (expressão criada por Neném Prancha, antigo técnico de futebol de areia e famoso por suas tiradas).