IRAN BARBOSA

A nova era

Jornalistas estão entre os que são julgados e questionados

Por Da Redação
Publicado em 13 de março de 2019 | 03:00
 
 

“Júlia engordou dez quilos em três meses”. Se isso fosse uma manchete de jornal, há quem sequer seguisse para ler o corpo da matéria. Afinal, a notícia é clara, simples. Fatos são fatos, e “contra fatos não há argumentos”. Na certa, há quem lesse essa frase e já pensasse o absurdo que é Júlia engordar dez quilos. Sem nenhuma dúvida, muitos que leram este texto até aqui imaginaram Júlia como uma mulher obesa. Na nossa sociedade, engordar é algo ruim. Logo, quando a gente lê que alguém engordou dez quilos, o cérebro humano não faz muito esforço para fazer um julgamento. Júlia engordou, e isso é fato. Agora, prepare-se para o contexto: “Júlia está se recuperando de uma cirurgia de retirada de um tumor malígno no estômago”. Júlia engordou, mas isso não era algo ruim.

Por anos, boa parte da imprensa brasileira utilizou-se (e ainda se utiliza) da técnica de separar os fatos do contexto, tirando dos veículos de imprensa a obrigação de informar e, em seu lugar, colocando o poder de formar a opinião. Generalizar esse comportamento é tão injusto quanto criminalizar a mineração pelos erros da Vale, mas assim funcionam as instituições: a imprensa moderna está em crise. Muito pelos abusos do passado, muito por insistir no comportamento do presente.

Antes do advento da internet, a imprensa não era só a principal forma de disseminação de informação em massa, mas a única. Isso era tão restrito que, se você se sentisse injustiçado por uma reportagem, era preciso entrar com um pedido de “direito de resposta” na Justiça. No entanto, sendo a Justiça brasileira como era, demoraria até 20 anos para conseguir publicar num jornal a resposta a uma notícia que você conseguia provar que era mentira. Os veículos que perceberam essa fraqueza no sistema faturaram alto. O abuso era tão grande e recorrente que grande parte da imprensa independente de hoje foi criada como forma de se defender dos chacais daquele sistema.

Os tempos, no entanto, mudaram. Hoje, quando um fato é publicado sem contexto, é mais fácil e cômodo para muitos defender-se apenas por suas redes sociais. Aliás, a própria internet hoje fornece a possibilidade de terceiros intervirem em defesa do atacado contra um jornal e, acreditem, já existem pessoas físicas nas redes com perfis mais seguidos do que os principais veículos de comunicação do país.

Hoje, um veículo de notícias é julgado por como escreve, contra quem escreve, pelos fatos publicados, pela conexão destes com o contexto e até mesmo pela motivação que levou à publicação de uma matéria. Assim como políticos e técnicos de futebol, jornalistas agora estão na classe dos que são julgados e questionados por todos – com conhecimento de causa ou não. Pior: na visão da grande maioria, a imprensa já manipulou e usou da opinião pública alguma vez. Achar alguém que defenda a isenção da imprensa brasileira é igual achar alguém que defenda o MDB: de difícil a impossível.

Como essa vulnerabilidade só não é óbvia para os jornalistas, muitos ainda estão atônitos e sem entender como um presidente da República pode atacar uma jornalista pelo Twitter. Mas a resposta já foi dada pelo texto acima: a credibilidade da imprensa como instituição nunca esteve tão baixa e os fatos nunca importaram tão pouco. O ataque presidencial foi absurdo, mas tende a ser cada vez mais comum – tanto dele quanto de outros.

Contra isso tudo, o remédio é apenas um: contra os altos e baixos da desinformação, só prosperarão os veículos que conseguirem se manter fora do jogo psicológico e longe da briga política em suas redações. A imprensa do futuro se destacará não pela incapacidade de ser contestada, mas pela capacidade de superar as contestações. Minha solidariedade aos profissionais que hoje enfrentam ataques em seus trabalhos. Espero que este texto os ajude a se defender melhor contra os novos chacais do século XXI.