Iran Barbosa

Não há nada mais cruel do que ter a União como sua devedora

O impasse da compensação da Lei Kandir para Minas

Por Da Redação
Publicado em 07 de agosto de 2019 | 03:00
 
 

Para um Estado como Minas Gerais, não há nada mais cruel que ter a União como sua devedora. Afinal, na teoria pelo menos, nosso Estado é rico. Isso, é claro, não fosse a absurda dívida que o governo federal tem conosco.

Temos uma dívida líquida total que já ultrapassa R$ 120 bilhões, não temos dinheiro em caixa e devemos a Deus e ao mundo. Ainda assim, por mais que nossos últimos governantes tenham sido absolutamente irresponsáveis com a gestão do nosso governo estadual, jamais estaríamos passando por essa situação não fosse a famosa e desastrosa Lei Kandir.

Tudo começou em 1996, quando nossos representantes no Congresso Nacional votaram a Lei Complementar 86, que, entre outras coisas, isentava de ICMS as commodities e os produtos semi-industrializados.

Acontece que o ICMS é a principal fonte de arrecadação de um Estado e, para piorar, no caso de Minas, aqueles produtos são a base da nossa economia. Então, de um ano para o outro, Minas simplesmente perdeu o direito de tributar seus principais produtos de exportação, como o minério de ferro e o aço, entre vários outros.

A Lei Kandir dizia que os Estados teriam que ser “compensados” pelas perdas na arrecadação, mas nossos deputados e senadores da época “se esqueceram” de escrever como tal compensação ocorreria.

É claro que o governo federal poderia ter estabelecido, por decreto, como tal compensação seria feita. Aqui é o Brasil. Todos os presidentes, a começar por FHC, chegaram à conclusão de que seria politicamente mais vantajoso para eles o calote, uma vez que a lei também não estabelece nenhuma punição para a União nesse acaso.

Assim, em 1996, nosso martírio começou. A cada ano, a partir de então, Minas Gerais ficaria cada vez mais com o pires na mão, dependendo de seus presidentes, deputados federais e senadores para receber a migalha da vez.

A “bomba da Lei Kandir”, por sua vez, foi passada para a frente por governador a governador, presidente a presidente, até que, em 2016, o STF reconheceu o direito dos Estados às compensações, dando ao Congresso Nacional um ano para regulamentar como os repasses passados e futuros seriam realizados. Nada foi feito.

Nesta semana aconteceu em Brasília uma audiência de conciliação no STF entre União e os Estados. Não houve acordo. Nem haveria. A dívida da União com Minas Gerais apenas já alcança a casa de R$ 136 bilhões – dinheiro suficiente para quitar todas as dívidas e ainda injetar bilhões em investimentos e infraestrutura até o final deste mandato.

Seria a nossa solução, mas houve a falência do governo federal – que obviamente não teria como pagar tanto dinheiro para tantos Estados.

Pensando nisso – e na atroz situação de desespero fiscal que estamos vivendo –, nossos governantes estaduais elaboraram a Carta de Minas, que é uma tentativa de propor à União uma forma leve de quitar essa dívida sem expor ainda mais o caixa do Tesouro Nacional.

Na proposta, Minas Gerais daria prazo de 60 anos – seis décadas! – para receber R$ 136 bilhões que deixou de arrecadar desde 2006. Os valores seriam distribuídos em 720 parcelas mensais, corrigidas pela taxa Selic – a mais baixa que existe. Quanto às perdas futuras, o Estado abriria mão da metade de tudo que tem a receber de compensações, para que a União assuma o pagamento. Pode até parecer uma tentativa desesperada (e é), mas é nossa única chance. Ainda assim, há quem diga que a proposta será rejeitada. Afinal, nosso devedor não é obrigado a pagar.