Judiciário

STF começa a julgar ampliação de foro privilegiado; mudança atinge Bolsonaro

Relator do caso, Gilmar Mendes votou pela manutenção do processo mesmo após o fim do mandato do réu

Por Renato Alves
Publicado em 29 de março de 2024 | 08:18
 
 
Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: STF/Divulgação

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira (29) o alcance do foro privilegiado. Os 11 ministros vão decidir se o benefício será mantido mesmo após o fim de mandatos de políticos. Se aprovada por maioria, a nova regra será desfavorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Pela regra atual, válida desde 2018, o processo é julgado pelo STF se o crime tiver sido cometido no exercício do cargo e tenha relação com a função ocupada. Caso o réu perca seu mandato, o processo sai do Supremo e vai para a primeira instância. A exceção é para quando o caso já estiver na fase final de tramitação.

Já em 2022, o STF decidiu que o processo continua na Corte em caso de “mandato cruzado”, quando o congressista investigado ou processado é eleito para outra Casa Legislativa durante a tramitação do inquérito ou da ação penal.

Relator, Gilmar Mendes vota por alterar regra

O julgamento iniciado nesta sexta-feira ocorre no plenário virtual, em que os ministros apresentam seus votos em um sistema eletrônico da Corte, sem debater o tema. A análise pode ser interrompida por um pedido de vista ou de destaque – o que levaria a discussão para o debate presencial.

Na condição de relator do caso, Gilmar Mendes foi o primeiro a votar. Ele defendeu a manutenção do processo mesmo após o fim do mandato do réu.

“Estou convencido de que a competência dos Tribunais para julgamento de crimes funcionais prevalece mesmo após a cessação das funções públicas, por qualquer causa (renúncia, não reeleição, cassação etc.)”, escreveu em seu voto.

“Proponho que o Plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções”, completou.

Ele ainda defendeu a aplicação imediata da nova interpretação de aplicação de foro privilegiado aos processo em curso, “com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior”.

Caso seja aprovada, alteração atingirá Bolsonaro

O julgamento é de interesse de Jair Bolsonaro, que, entre outros casos, responde a processo no Supremo por falsificação de cartão de vacina, esquema admitido pelo seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Um dos argumentos da defesa de Bolsonaro é que o tema não está relacionado ao exercício de seu mandato. É a mesma alegação usada pelos advogados da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em processo contra ela no STF sobre a perseguição armada a um homem pelas ruas de São Paulo.

O debate no STF também ocorre em meio à transferência das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao STF.

O deputado federal Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal como mandante do crime, era vereador na época do crime. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação justifica o deslocamento do caso ao Supremo.

STF analisa caso de acusação contra senador quando ele era deputado

O julgamento iniciado pelo STF e que pode alterar a regra de foro privilegiado acontece em função da apresentação de um habeas corpus pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). A defesa pede que uma ação em que ele é réu na primeira instância seja transferida para o Supremo.

Zequinha é réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por suspeita de operar um esquema de "rachadinha" quando foi deputado federal. A defesa nega as acusações e alega que o processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então ele exerce cargos com prerrogativa de foro.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o pedido do senador. Em parecer, Paulo Gonet disse que os fatos narrados na denúncia foram praticados quando ele exercia o cargo de deputado federal, “havendo, portanto, interrupção no mandato parlamentar, uma vez que José da Cruz Marinho [Zequinha Marinho], antes de ser eleito para o cargo de senador da República (2019/2027), foi eleito vice-governador do Pará (2015-2018)”.

Zequinha foi denunciado em março de 2015, quanto era vice-governador do Pará, pelo crime de concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida).

As acusações dizem respeito a possíveis crimes cometidos quando ele era deputado federal. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Zequinha exigiu que funcionários em cargos comissionados de seu gabinete depositassem mensalmente 5% de seus salários nas contas do seu então partido, o PSC.

Zequinha Marinho foi deputado federal por dois mandatos seguidos, entre 2007 e 2015. Depois, foi vice-governador do Pará de 2015 a 2018 e senador, para o período 2019-2027. Ao se tornar vice-governador, o caso foi remetido do STF para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que aceitou a denúncia.

Após o entendimento fixado pelo STF em 2018, o TRF-1 enviou o caso à primeira instância da Justiça do Pará. Depois de questionamento da defesa de Marinho, a ação foi remetida para a Justiça Federal do Distrito Federal.