Minas na Esplanada

Fransciny Alves é nossa enviada a Brasília e traz bastidores da política mineira e nacional direto de lá

Entrevista

Anastasia avalia que houve uma 'absoluta descoordenação' no combate à Covid-19

Publicado em: Qui, 18/02/21 - 05h00

Ouça a notícia

Vice-presidente do Senado no último biênio, Anastasia avalia que 2020 foi o ano mais difícil do Legislativo, mas que o Parlamento soube cumprir seu papel. E com a vitória de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à Presidência do Senado, o mineiro avalia que isso abre mais espaço para que o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), concorra ao governo de Minas em 2022.

O ano de 2020 foi totalmente diferente. Logo no início da pandemia, o senhor assumiu a presidência do Senado em função de o então presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) ter sido infectado com Covid. Levando em conta um balanço do senhor à frente da vice-presidência, foi o ano Legislativo mais difícil? Não há dúvida de que o ano de 2020 foi difícil em todos os aspectos. Primeiro, pela tragédia que se abateu sobre o mundo e o Brasil. Nós já chegamos a quase 230 mil mortos e não há nada pior do que isso. Além da questão da saúde, teve uma repercussão econômica muito forte e também uma repercussão social e política. O Parlamento brasileiro não podia se furtar a funcionar e dar as respostas porque várias medidas de combate à pandemia, nas várias frentes, precisavam de decisões parlamentares. Posso estar equivocado, mas acho que nós do Parlamento brasileiro demos uma resposta rápida. Nós do Senado Brasileiro fomos o primeiro Parlamento do mundo a adotar sistema de votação remota, em que eu tive a honra de ser o presidente desta sessão. Mas, é claro que isso dificultou os trabalhos porque ainda que a sessão remota tenha sido exitosa e resolvemos os maiores problemas do auxílio emergencial, auxílio para os Estados, auxílio para as empresas, adiamento das eleições, Orçamento de guerra, Fundeb, em que foi tudo aprovado, mas a discussão não é a mesma do plenário físico, as comissões não funcionaram. Fora o nosso sentimento de pesar ilimitado por tantos óbitos e tantas pessoas sofrendo, acho que sob o ponto de vista congressual, o Congresso cumpriu o dever e o papel dele.

O governo federal tomou um rumo diferente se comparado com outros países do mundo quando se trata de pandemia. O senhor acredita que o Congresso deveria ter tomado medidas mais restritivas em relação à Covid-19? E como o senhor avalia o enfrentamento feito pelo governo? O enfrentamento à pandemia foi uma novidade para todos. Primeiro é bom distinguir os papeis: a execução da política pública de saúde é do Executivo, ao Legislativo cabe legislar e fiscalizar. O governo corretamente baixou várias Medidas Provisórias (MPs) e nós aperfeiçoamos e aprovamos várias, rejeitamos algumas. Sob o ponto de vista legislativo, demos as respostas necessárias, inclusive leis que determinam o uso obrigatório de máscara em áreas públicas e ruas, toda a questão relativa à autorização das vacinas. O que aconteceu no Brasil? Acho que houve um erro original lá no início. O governo federal deveria ter se esforçado juntamente com os Estados para fazer uma união nacional, uma coordenação ampla e não um puxar pra cá e outro pra lá. Não vou nem entrar no mérito de quem está certo ou errado. Visivelmente houve uma absoluta descoordenação, tanto que o Brasil no ranking internacional de combate à pandemia está em último lugar, além de 230 mil mortos. O Supremo Tribunal Federal (STF) por seu turno, corretamente, interpretou que por sermos um Estado Federal, as medidas cotidianas de combate – afastamento, funcionamento do comércio – caberia a cada Unidade da Federação. Me pareceu correto porque do contrário estaríamos num Estado centralizado. Então, o que faltou foi que essas medidas poderiam ser tomadas em ambiente de cordialidade, de harmonia, de integração, para evitar o que aconteceu em Manaus. Faltou, evidentemente, uma coordenação e isso é uma falha do governo federal, não há dúvida. A coordenação federativa cabe à entidade central. Infelizmente, houve uma disputa política que acabou atrapalhando essa coordenação e espero que isso sirva de lição. 

O senhor é amigo do Rodrigo Pacheco (DEM-MG), assim como é também da Simone Tebet (MDB-MS). Os dois disputaram o comando do Senado, mas o senhor considera que a vitória do Pacheco foi a mais acertada? Tanto Rodrigo quanto a Simone têm perfis semelhantes e plenas condições. O primeiro compromisso do senador é com o Brasil e seu Estado. Minas não tem a presidência do Senado desde Magalhães Pinto. Então, no momento em que o presidente Davi identificou a possibilidade do nome do Rodrigo, recebeu meu aplauso desde o primeiro instante e eu declinei da minha candidatura. Aliás, estávamos juntos nesse momento, quando o Rodrigo deslanchou a sua campanha. O Davi foi o grande eleitor dele porque tem muito crédito interno e nós todos imaginávamos que ele seria reeleito, o Supremo entendeu que não seria possível, e o Rodrigo foi eleito com uma boa margem e tem total condição de fazer uma belíssima gestão porque tem a qualidade fundamental na política, a meu juízo, que é a ponderação. Posso estar até ultrapassado e equivocado, mas acho que o radicalismo e a exaltação não levam a lugar nenhum, ainda que pode estar ainda um pouco na moda. Acredito que a serenidade, a racionalidade, o equilíbrio e o comportamento adequado devem prevalecer. E você está vendo que os esforços dele e a postura dele é exatamente nessa linha. E acho particularmente que o Rodrigo, muito jovem com 44 anos, tem o futuro político muito grande, ao nível nacional, inclusive. E faço votos que ocorra. Agora, a senadora Simone que é muito minha amiga, compreendeu perfeitamente, até porque a candidatura do Rodrigo foi lançada muito antes da dela, e havendo um candidato do meu Estado isso já seria um critério, também teve uma decisão unânime do meu partido, tudo isso ela compreendeu com a serenidade, equilíbrio e inteligência que ela tem. A amizade permanece cada dia mais forte. 

O Pacheco foi eleito para presidir o Senado, mas isso pode mudar algo na relação de Minas com o Executivo, em levar mais verba para o Estado? Não há dúvida que a presidência do Congresso dá ao Rodrigo uma dimensão política e um protagonismo que dará a Minas Gerais uma posição de destaque, uma voz muito mais forte, e isso ajuda o Estado em obtenção de verbas, de posições. Isso é muito positivo e foi um avanço muito bom. 

A eleição do Pacheco mudou o cenário para as eleições em Minas em 2022, já que o acordo com o PSD era de que ele não concorresse ao governo estadual, o que abre espaço para o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Como fica esse jogo político agora, lembrando que o senhor citou a possibilidade Pacheco disputar um cargo nacional... Não necessariamente agora. Ele tem 44 anos, mas não há dúvida de que indo bem como presidente, e tenho certeza que irá, vai se cacifar para voos maiores. Sobre Minas, ele próprio declarou que, eleito presidente, não iria se candidatar ao governo porque não teria como conciliar as agendas. E isso fortalece ainda mais a candidatura do prefeito Kalil que se vier a ser candidato - acredito que sim, mas não há nenhuma decisão -, ele vai se fortalecendo. Ele já é um prefeito muito aclamado, foi reeleito com uma votação muito expressiva, tem uma grande liderança e tem algo que hoje na política é singular: uma forma de comunicação única com as pessoas, que o povo gosta e ele se comunica bem. O nome dele se fortalece para um quadro estadual e, num segundo momento, até mesmo um quadro nacional. 

Tendo em vista que os dois candidatos apoiados por Bolsonaro venceram as eleições (Pacheco e Arthur Lira (PP-AL) na Câmara), o senhor acredita que o presidente Jair Bolsonaro agora vai ter base no Congresso? Acho que as eleições foram totalmente distintas. O grande eleitor no Senado foi Davi Alcolumbre, que durante os dois anos à frente da presidência amealhou muitos apoios políticos que caminharam para a reeleição dele se fosse possível. Como não foi, o seu candidato recebeu um apoio muito expressivo. Aqui, a influência do governo foi praticamente inexistente. O presidente Jair Bolsonaro havia assumido o compromisso de apoiar o candidato do Davi, mas com efeito eleitoral pequeno, a meu juízo, porque o grande eleitor seria o Davi. Na Câmara, aparentemente, foi distinto, mas não estou lá. Aqui no Senado eu acho que o governo tem um apoio muito forte em toda pauta econômica, desenvolvimento, reforma, mas terá dificuldade do que se chama popularmente de pauta de costumes, que envolve armamento, questões sociais. 

Muito tem se falado sobre uma frente ampla de partidos de centro para disputar à Presidência em 2022. Após o racha do centrão na Câmara, ainda tem como? Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ACM Neto disse uma coisa que é correta: as eleições para as Mesas não têm nenhuma vinculação com a eleição popular, de cargos eletivos. A relação é zero. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro tenta se aproximar do centro, não só em questões parlamentares, mas talvez antevendo uma eleição mais adiante, e é legítimo que o faça. Eu, pessoalmente, nas eleições de 2018 apoiei o candidato Geraldo Alckmin, e é esse perfil de político, de moderação, que eu defendo. Agora, quem será o candidato que terá esse perfil e se vai ser um só, eu não sei.Essa ansiedade natural das pessoas e da imprensa em saber o que vai acontecer tem que ser acalmada porque estamos ainda muito longe. Agora, eu defendo uma convergência. Aliás, o presidente do meu partido, Gilberto Kassab, tem dito publicamente que teremos um candidato e o PSD é um partido de centro.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.