Legenda de extrema-esquerda, adepta do marxismo-leninismo, o PCO (Partido da Causa Operária) vem chamando ultimamente a atenção numa proporção muito maior do que permitiria seu tamanho eleitoral.
O motivo é a defesa pública de posições hoje mais associadas à direita, como o acesso às armas e, mais recentemente, a liberdade de expressão do podcaster Monark, que se disse favorável à possibilidade de haver um partido nazista no Brasil.
Presidente do PCO desde sua fundação, em 1996, o jornalista Rui Costa Pimenta, 64, afirma que não vê constrangimento com elogios recebidos, alguns de forma irônica, por bolsonaristas. Diz inclusive que é possível fazer alianças pontuais com a direita.
"Em alguns casos, você poderia atuar em conjunto com esses setores", diz ele, que comanda uma legenda com cerca de 5.000 filiados e que nunca elegeu ninguém para nenhum cargo.
Candidato a presidente quatro vezes, ele afirma que dessa vez o partido apoiará Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo torcendo o nariz para seu provável vice, o ex-tucano Geraldo Alckmin.
PERGUNTA - O PCO surpreendeu muita gente ao defender o podcaster Monark em sua declaração sobre o nazismo. O sr. pode explicar?
RUI COSTA PIMENTA - Ele foi vítima de uma campanha de calúnias. Todo mundo sabe que a posição dele é liberal, não é nazista. Simplesmente discutiu uma tese, de que seria legítimo, democrático, se alguém tentasse legalizar um partido nazista. Somos favoráveis a uma liberdade de expressão, organização e manifestação irrestrita. É uma posição tradicional do socialismo marxista.
P. - Não em países comunistas, como Cuba ou Coreia do Norte, onde a liberdade de expressão é duramente combatida.
RP - Não temos nenhuma associação direta, programática, com Cuba ou Coreia do Norte. Nós defendemos o regime cubano contra os ataques que sofre, mas não concordamos com tudo que fazem. Somos críticos também destes regimes.
P. - A defesa da liberdade de expressão é mais associada aos liberais. Há então um ponto de contato entre eles e os marxistas?
RP - Há muitos. Os liberais são uma expressão determinada da democracia burguesa. Os marxistas partem de uma democracia popular. Há uma raiz em comum. O pessoal não deveria estranhar isso.
P. - Não deve haver restrição nem a discursos de ódio ou desinformação?
RP - Não, porque para nós um elemento essencial é a educação política do povo. É melhor educar, combater abertamente. Se houvesse um partido nazista, combateríamos publicamente e mostraríamos o que é, o que pensa.
P. - Outra bandeira que o partido defende é a das armas. Por quê?
RP - É um direito democrático. A Constituição americana tem o direito irrestrito de manifestação e o de a pessoa possuir e portar armas. Isso foi concebido como um direito da população de não ser subjugada pelo Estado. O governo pode ser autoritário, oprimir seu povo. Nós pregamos a ideia da revolução, que seria pelas armas.
P. - É o mesmo argumento já usado pelo presidente Bolsonaro.
RP - Não acho que ele defenda essas coisas de maneira integral. Ele não defende que a população nas favelas esteja armada, defende para um setor da população. A direita usa a expressão cidadão de bem, não é para o povo todo.
P. - O que o sr. acha de bolsonaristas elogiando o PCO em redes sociais?
RP - Acho natural, é um ponto de intersecção que existe. Assim como há setores de direita que são nacionalistas. Nós defendemos também, somos anti-imperalistas. Em alguns casos, você poderia atuar em conjunto com esses setores.
P. - Não haveria problema então, em determinados pontos, trabalhar em conjunto com a direita?
RP - Não teria problema, porque nós consideramos que a implementação de qualquer um desses pontos será favorável ao povo brasileiro.
P. - O sr. falou de anti-imperialismo, e vocês recentemente celebraram a vitória do Talibã no Afeganistão. Por quê?
RP - Os EUA são o principal inimigo da classe trabalhadora mundial. Não tem sentido falar que o maior inimigo é o Velho da Havan [o empresário Luciano Hang]. Não compartilhamos da ideologia do Talibã, é um grupo religioso, islâmico, mas eles impuseram uma importante derrota ao governo Biden, que quase desmoronou.
P. - O Talibã é um grupo fundamentalista, persegue mulheres. Faz sentido celebrar a vitória deles?
RP - Eu acho que sim. O Afeganistão tem uma crise humanitária, 9 milhões de pessoas estão ameaçadas de morrer de fome. Os EUA e outros países estão promovendo um embargo, confiscaram US$ 7 bilhões do Afeganistão. O que é pior para as mulheres: o Talibã, que retira determinados direitos civis, ou o imperialismo, que está disposto a matar todo mundo de fome?
P. - Como o PCO vai se posicionar na eleição presidencial?
RP - Tomamos a decisão de apoiar a candidatura do Lula. Não vamos participar de coligação, porque isso envolveria ter um programa em comum com o PT. Nosso apoio é incondicional, não estamos pedindo nada.
P. - Esse apoio se mantém mesmo com o Alckmin de vice?
RP - Nós temos criticado isso, mas independente disso vamos apoiar o Lula. Achamos que não muda substancialmente a campanha dele.
P. - Lula seria um presidente do campo popular?
RP - Ele teria que fazer alianças com a direita, o centrão Embora ele seja uma pessoa por natureza moderada, conciliadora, ele se encontra numa perspectiva de choque com setores sociais e políticos que fizeram o golpe [impeachment de Dilma Rousseff, em 2016]. Até porque ele foi preso também. Ele não seria o presidente que nós achamos ideal, mas daria um passo nesse sentido.
P. - No ano passado, militantes do PCO agrediram outros do PSDB, em um ato na Paulista. O partido defende a violência?
RP - Dizer que o PCO agrediu o PSDB não é verdade. O que aconteceu é que militantes do PCO e outros partidos entraram em atrito, uma coisa que acontece nessas manifestações. O PSDB é um partido muito mal visto pela esquerda em geral. Me parece que alguém arrancou uma faixa do PSDB e aí começou a briga. Encarei isso como um incidente. Não vou condenar ninguém por não querer que o PSDB esteja lá.
P. - Mas o confronto físico se justifica?
RP - São coisas que acontecem, os ânimos estão exaltados, é difícil de controlar essa situação. Não foi uma agressão no sentido de que dez pessoas foram lá bater em uma do PSDB.. Tudo bem, o PSDB acabou apanhando, mas não é que foi uma coisa muito desigual.
P. - Vocês têm muitas críticas aos demais partidos de esquerda, como PSOL, PT, PDT. Por quê?
RP - A contradição nossa com uma boa parte da esquerda é muito aguda. É uma esquerda pequeno-burguesa. Gente de classe média que não tem muita conexão co m a população pobre. Nós condenamos uma política que surgiu mais recentemente, que é o chamado identitarismo, ou política "woke". Não é uma política própria da população oprimida. Serve para dividir as pessoas.
P. - O PCO ainda considera Neymar vítima do imperialismo no futebol?
RP - Sem dúvida. O futebol, como todas as atividades da sociedade, é dominado por grandes empresas. É um mercado multibilionário, e por causa dos interesses econômicos, o futebol brasileiro é muito atacado. Logicamente não querem que o Brasil se sobressaia. Há uma campanha enorme contra o rapaz [Neymar], eu não consigo nem entender por que falam tão mal dele. Tudo que ele faz é visto de um ponto de vista negativo.
RAIO X
Rui Costa Pimenta
Idade: 64
Formação: graduado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero
Carreira política: presidente do PCO desde 1996, foi candidato a presidente em 2002, 2006, 2010 e 2014