Política em Análise

As perigosas interferências do Judiciário

Batalha sobre a abertura ou não dos bares e restaurantes em BH traz de volta ao debate a discussão sobre o ativismo judicial no Brasil

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 23 de julho de 2020 | 10:57
 
 

A batalha judicial acerca da liberação do funcionamento de bares e restaurantes em Belo Horizonte nos permite voltar ao tema da interferência do Judiciário em decisões administrativas e de políticas públicas no Brasil. Situação que sempre ocorreu mas que, em tempos recentes, tem ganhado cada vez mais relevo.

De modo algum pretendo aqui dizer que o Judiciário não deve interferir em decisões dos demais Poderes. Na verdade, é da essência do próprio Judiciário e seu dever legal zelar pelo estrito cumprimento da lei. Esse controle de legalidade, assim como o controle de constitucionalidade, é o dever de todo juiz e, quando chamado a se pronunciar sobre determinada decisão de uma autoridade, tem mesmo a missão de fazê-lo, sob a pena de não cumprir seu papel.

Mas é preciso sempre uma análise cuidadosa para que o legítimo controle de legalidade não se torne um ativismo judicial. Isso se dá quando o debate em torno da decisão não se dá por sua legalidade, mas por sua conveniência, por exemplo. E também se dá quando, na decisão, mais do que os argumentos jurídicos para tal, são realçadas posições políticas pessoais do julgador acerca da postura do governante. Atitude recorrente seja no Supremo Tribunal Federal (STF) ou nas instâncias inferiores do Judiciário brasileiro.

Não faltam exemplos de tais decisões. Se deu quando o STF barrou a indicação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal no governo Bolsonaro ou, antes, quando a Justiça determinou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não pudesse assumir um cargo de ministro. Nesses dois casos, discutiu-se o desvio de finalidade da decisão. Legítimo o debate? Claro. Mas tais questões subjetivas permitem um autoritarismo por parte do Judiciário e distorcem a lógica das atribuições do Executivo para escolher nomes e definir ações.

No caso em questão em BH, o decreto sobre o fechamento dos bares pode ser questionado. E haveria inclusive instrumentos para isso na Câmara Municipal de Belo Horizonte. O decreto poderia ser sustado se não houvesse conveniência ou debate suficiente. Ou até se a posição dos infectologistas que ajudam a prefeitura na questão estivesse equivocada. É difícil, porém, imaginar, que um magistrado, por seus próprios conhecimentos, tivesse mais capacidade para tomar essa decisão do que o governante, eleito e embasado pelos técnicos que o cercam na prefeitura.

Além de dar poder demais a juízes, como acontece quando um magistrado federal de primeira instância tem poder suficiente para derrubar a nomeação de um ministro, tais interferências frequentes criam um sério problema de segurança jurídica no país. Quando começam a surgir liminares, elas são derrubadas horas depois, quando surgem outras decisões, fica difícil saber o que vai valer no dia seguinte. Imagine o caso de um dono de bar que, embasado na liminar da Justiça, tenha buscado seus fornecedores e feito estoque para, no dia seguinte, descobrir que não poderá abrir as portas. É razoável? Não parece.