A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou as condenações de Lula no âmbito da Lava Jato, é estranha e incompleta, e deve gerar uma série de debates judiciais ao longo dos próximos meses, não resolvendo efetivamente a questão e criando insegurança jurídica no Brasil. Prova disso é que, no próprio STF, a questão da suspeição do ex-juiz Sergio Moro permanece viva e deve, inclusive, ser analisada a partir desta terça-feira na Segunda Turma da Corte. A tempestividade e as razões para a decisão também merecem ser debatidas.
Como explicar ao brasileiro comum que um questionamento que já é colocado pela defesa há cinco anos possa, só agora, ser julgado e decidido monocraticamente e dentro de um habeas corpus em embargo de declaração? A incompetência do juízo de Curitiba é enfatizada por advogados desde o início e eu, particularmente, acho mesmo que houve um alargamento das ações da Vara para abarcar casos que não estavam tão diretamente relacionados à Petrobras. O juízo era mesmo incompetente para essa análise, mas isso deveria ter sido resolvido antes que dezenas de decisões ao longo do processo fossem tomadas e cinco longos anos se passassem, inclusive com o ex-presidente cumprindo parte da pena na cadeia. Oras, é razoável, se Fachin achava que o juiz era incompetente para julgar Lula, que isso tudo se desse até esse momento, inclusive com a restrição de liberdade e a retirada do processo eleitoral de 2018? Ou ele só mudou de ideia agora sobre o assunto. E, se foi isso, por qual razão?
Nos bastidores de Brasília é quase unânime a tese de que Fachin fez o que fez para salvar a Lava Jato de assistir ao julgamento da parcialidade de Moro no caso, o que poderia contaminar ainda mais a operação. Se foi isso, Fachin talvez não tenha calculado tão bem seu passo, principalmente pois nem resolve o assunto nem limita as consequências.
O primeiro motivo para acreditar que Fachin não vai conseguir salvar a Lava Jato com a estratégia colocada é o fato de que seus colegas precisariam concordar com isso. Fachin sabia que não concordariam, ao menos não na Segunda Turma. Tanto que decidiu monocraticamente e não levou para a apreciação dos demais ministros, como fez em outras ocasiões. De modo que a decisão não resolve exatamente o problema da suspeição de Moro, que pode ser analisada da mesma forma (ainda que seja bizarro ter que analisar a suspeição de um juiz depois de declarada a incompetência).
Além do mais, ao permitir que o juiz de Brasília convalide atos da instrução processual, Fachin dá o argumento para que esses ministros que querem julgar a incompetência de Moro o façam. Se mesmo com as decisões anuladas um depoimento colhido por Moro pode valer, então discutir se ele foi parcial ou não faz diferença, certo? Ainda que isso não fosse analisado agora no Supremo, fatalmente o seria amanhã ou depois. Quando o juiz validasse esses atos, a defesa começaria a recorrer em todas as instâncias até chegar ao STF. Então, isso só criaria mais confusão e o assunto não estaria encerrado. Isso sem falar que outros réus também vão tentar, em efeito cascata, anular seus casos que foram decididos em Curitiba, alegando igual incompetência.
Sobre a suspeição de Moro, aliás, com as mensagens disponibilizadas para a defesa de Lula e vazadas ao longo dos últimos meses, é claro que outros acusados também vão buscar usá-las para também tentar mostrar que o juiz era parcial com eles. Fachin vai então declarar a incompetência do juízo em todos os casos para evitar esse debate? Isso ajudaria a Lava Jato como? A discussão da parcialidade de Moro, portanto, não morreria, ainda que o STF desistisse de julgá-la nos casos de Lula. Como não morreu a discussão da incompetência da 13ª Vara para casos que supostamente não estavam totalmente ligados à Petrobras, mesmo quando as decisões de casos anteriores ficaram circunscritas aos casos dos quais tratavam. Isso é cristalino.
Agora temos a seguinte situação: ou começam a análise dos casos de Lula do zero em Brasília, conforme seria a lógica, com o risco de prescrição, ou aproveitam-se atos processuais para acelerá-lo e enfrenta-se uma longa batalha de recursos em todas as instâncias. E que acabará no Supremo do mesmo jeito.
Uma coisa é certa: as decisões em si terão que ser refeitas. A denúncia precisa ser reiterada agora pelo Ministério Público em Brasília, o juiz precisa aceitá-la. Uma eventual aceitação, por ser distinta da de Curitiba, geraria recursos, assim como todas as decisões interlocutórias e uma eventual condenação. E, feita a condenação em primeira instância, a apelação em segunda instância teria que ser analisada na integralidade, sem atalhos. Não há como convalidar nada do que foi feito em segunda instância, pois estaríamos diante de uma apelação de outra decisão. Isso, por si só, tende a deixar o caminho mais lento. E são três processos e não apenas um.
Há ainda o fato de que, ainda que haja nova condenação, não se sabe ao certo se haveria, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), a mesma unanimidade vista no TRF-4. Assim, a análise da segunda instância poderia estar sujeita a pedidos de vista, ou a um resultado, o que geraria a chance de outro recurso, por exemplo. De modo é que é difícil acreditar que a conclusão do caso seria tão rápida como acreditam alguns. Isso me faria dizer que Lula, muito provavelmente, conseguirá manter seus direitos políticos, como a elegibilidade, até o momento do registro das candidaturas das próximas eleições presidenciais.
Sobre prisão para cumprimento de pena, neste caso, não devemos ver mais (a não ser que a prisão em segunda instância volte a valer). O ex-presidente até poderia ser alvo de uma prisão em flagrante ou de uma detenção provisória por outro motivo qualquer, mas considerando todo caminho do zero até o trânsito em julgado, passando pelo STJ e pelo STF, a conclusão desse processo levará anos, inevitavelmente. Assim, ainda que a batalha seja árdua nas urnas, Lula está mais perto do Palácio do Planalto do que da cadeia. Mas sobre 2022 eu falo amanhã.