Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

Empregadas não foram para a Disney

Publicado em: Sex, 14/02/20 - 03h00

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Já lemos e ouvimos por aí várias análises sobre a despropositada frase do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que dólar alto é bom e que quando o valor da moeda estava baixo empregadas domésticas iam à Disney e era uma festa. Alguém na posição que ele ocupa, obviamente, não pode falar uma coisa dessas. Isso acho que quase todo mundo concorda.

Mas a fala não é apenas preconceituosa. É também uma interpretação de alguém que viveu em uma bolha durante as últimas décadas ou talvez a vida inteira. Uma interpretação, portanto, descolada da realidade da imensa maioria dos brasileiros que sofrem para as contas em um país tão desigual.

Não. As empregadas domésticas não foram à Disney nem a nenhum lugar parecido quando o dólar estava a R$ 1,80, como disse o ministro. E para confirmar isso de forma técnica e e mostrar o quanto uma viagem desse tipo pesava para elas, fui buscar dados da época.
O dólar custava R$ 1,80 em meados de 2010. Para ser exato, naquele ano, a moeda valeu, em média R$ 1,76. Entre abril e junho daquele período, bateu no valor de R$ 1,80.

Naquela época, segundo o IBGE, uma empregada doméstica no Brasil ganhava em média R$ 395.  E mesmo assim, 70% delas e deles não tinham nem sequer carteira assinada.
Uma empregada, portanto, ganhava, por ano R$ 5.135, já contando o 13º salário.

Já a passagem de BH para Orlando, em 13 de maio de 2010, custava US$ 1.100, fora as taxas. Os pacotes de hospedagem e entrada no parque, por sete dias, por sua vez, custavam outros US$ 1.188, também se as taxas. 

Portanto, para uma pessoa ir para a Disney, precisaria gastar no mínimo R$ 4.118,40 no câmbio a R$ 1,80. Se considerado o valor do dólar turismo da época, a conta sobe para R$ 4.461,60. Uma empregada precisaria trabalhar o ano inteiro sem comer, sem pagar aluguel, sem luz, água, andando a pé etc para ir, sozinha, ver o Mickey e o Pateta. Não. Elas não foram para a Disney.

Sobre o dólar alto, em si. É verdade que traz benefícios por um lado. Para as exportações e a redução da dívida interna. Mas traz preços mais altos. O do trigo e, em consequência, o do pão, por exemplo, do qual a empregada doméstica não pode abrir mão.

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