Política em Análise

Lucas, Queiroz, Meurer e a prisão domiciliar

Sociedade outra decisão da Justiça que não seja para punir o réu, mesmo que isso leve ao risco de morte, e devemos refletir

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 13 de julho de 2020 | 10:22
 
 

A situação é comum. Morrer na cadeia vítima de doenças acontece com frequência. Em plena pandemia do coronavírus, esse risco é ainda maior. Aconteceu em Minas com um jovem de 28 anos, que foi preso pelo porte de 10 gramas de maconha, impetrou dois habeas corpus, negados, e acabou falecendo vítima do novo coronavírus no presídio de Manhumirim. Mas foi preciso que o mesmo se desse com um político famoso, dias após outra figura conseguir a prisão domiciliar, para que o assunto ganhasse mais atenção.

A morte de Lucas Morais de Andrade, como a de Nelson Meurer, nos obriga a refletir sobre o punitivismo radical que tomou conta da sociedade brasileira e que, de forma implacável, não aceita qualquer decisão que não seja a de manter na cadeia quem tenha cometido erros, tenha sido ele julgado ou não. Há um sentimento de revolta quando as decisões judiciais parecem beneficiar os acusados. Se deu com Fabrício Queiroz. Quem não se indignou - e eu me incluo nesta lista - quando ele foi mandado para a casa na semana passada? Talvez só mesmo os defensores mais fiéis de seus aliados na política.

Está certo que, no caso do ex-assessor da família Bolsonaro, pesou o fato de que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, esticou a decisão também para a esposa de Queiroz, que estava foragida. Essa, sem qualquer dúvida, não deveria ter recebido o benefício de ficar presa em casa. Mas, ainda assim, fosse só para Queiroz, todos nós nos incomodaríamos, mesmo sendo alguém com histórico de problemas de saúde, o que é um fato.

Antes de morrer, Nelson Meurer tentou a prisão domiciliar por três vezes. Primeiro condenado pela Lava Jato no mensalão, ele tinha 77 anos e sofria de problemas cardíacos. Ficou na cadeia após a avaliação do relator do caso, Edson Fachin, de que havia segurança suficiente para proteger os detentos do presídio no Paraná do coronavírus. O ministro foi acompanhado por Celso de Mello. Cármen Lúcia, por não votar, acabou referendando a posição do relator. Votaram pela prisão domiciliar Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, sempre fortemente criticados pelas posições garantistas. 

No caso do jovem Lucas, em Minas, ele estava preso desde 2018. Tentou dois habeas corpus antes de morrer. Era processado e, diante da pequena quantidade de droga, muito possivelmente, se houvesse Justiça efetiva, teria sido absolvido da acusação de tráfico. O processo corria com ele preso. Ele nem sequer havia sido condenado. 

Nesse caso, nem sequer seria possível chamá-lo de bandido. Mas, cada vez mais, há quem defenda que bandido bom é bandido morto. Considerando que não é o que o diz nossa Constituição e nossas leis, matar bandidos ou deixar que eles morram sob proteção do Estado, é crime. O que torna bandido quem defende a tese também. É como se, no fundo, quem defende essa tese medieval defendesse a própria morte. Devemos refletir profundamente sobre isso, longe do populismo do debate raso proposto por aproveitadores.