Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

Vivendo de balões de ensaio

Publicado em: Sáb, 25/01/20 - 03h00

A possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública, admitida pelo presidente Jair Bolsonaro em um primeiro momento e posteriormente abandonada por ele, ao menos por enquanto, é mais um episódio que denota uma estratégia política e de comunicação do governo federal. O enredo é sempre o mesmo: o assunto vaza ou é colocado abertamente pelo governo e, diante das reações públicas, é enterrado. Além de acalmar as reações de seu eleitorado e testar seus limites, o presidente ou seus aliados ainda aproveitam para tentar colocar na conta da imprensa eventual mal-estar inicialmente criado.

A tática é, primeiro, tentar apresentar justificativas e ganhar o debate nas redes sociais e nos meios políticos, recuando rapidamente em caso de fracasso da tentativa. Assim, em um primeiro momento, um aliado e amigo de longa data de Bolsonaro, como o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), dispara contra o ministro e tenta puxar um coro de que está tudo bem tirar poder do mais prestigiado ocupante da Esplanada dos Ministérios. No segundo momento, após perceber que tal traição ao compromisso feito com o ex-juiz não ia colar, entra em cena o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, dizendo que a proposta nunca foi de Bolsonaro e que em momento nenhum ele disse que era favorável.

Perceba que o próprio vídeo que Bolsonaro postou na manhã de ontem confirma que, sim, ele cogitou a hipótese de reduzir os poderes do ministro. Nele, o presidente pede calma a seus seguidores e afirma que deve ser criticado quando errar de fato, sem que isso seja feito quando as ideias ainda estão em gestação.

O que o presidente não diz é que, se não houver reação antecipada, pode ser tarde demais. No caso de Moro, foi preciso que o presidente mais uma vez fosse lembrado de que a maior parte de seu eleitorado prefere o ex-juiz e que uma ruptura tiraria mais dele do que do auxiliar.

Na estratégia de testar seus limites, na maioria das vezes, o presidente acaba percebendo que não tem força suficiente para levar ideias polêmicas adiante. Foi assim com o imposto digital e com a possibilidade de subsidiar a conta de luz das igrejas.

Mas a estratégia tem tanta serventia que pode ser usada duas vezes no mesmo dia. Não foi apenas a divisão do ministério de Moro que foi introduzida no noticiário e enterrada em menos de 24 horas. Ontem isso também se deu com a proposta do ministro Paulo Guedes, da Economia, de criar um “imposto do pecado” para arrecadar em cima do consumo de produtos como chocolate, sorvete, bebidas e cigarros. Sem gritos, essa ideia também não teria morrido.

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