"Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves". Era assim que o primeiro presidente brasileiro eleito indiretamente após a ditadura militar, em 1985, disse que queria ser lembrado. Se estivesse vivo, Tancredo, avô do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), completaria 100 anos na próxima quinta-feira.
Quando era senador, na década de 80, conversando com colegas, Tancredo Neves citou o epitáfio que abre esta matéria. "Tinha morrido um senador. Depois do sepultamento, no cafezinho do Senado, um grupo de senadores discutia qual o epitáfio preferido. Um falava assim: viveu com dignidade, morreu com o amor de Nossa Senhora Aparecida. O outro dizia que era um bom brasileiro, pai honrado. Só coisas carregadas de religiosidade. Na vez de Tancredo, ele deu um sorrisinho e disparou", contou Ronaldo Costa Couto, um dos amigos pessoais do ex-presidente, de quem foi secretário de Planejamento e seria ministro do Interior.
Apesar do "desejo" expresso, não é aquela a inscrição na lápide do presidente, no cemitério da igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei.
Divisão. Edison Lobão - senador e deputado nas décadas de 70, 80 e 90 e hoje ministro de Minas e Energia - foi um dos alvos do humorado mineiro. Genival Tourinho foi deputado federal na mesma legislatura do presidente, de 1974 a 1978. Segundo ele, em uma oportunidade, perguntaram a Tancredo quem era o senador que o cumprimentara havia poucos minutos. Tratava-se de Lobão, um dos guardiões do regime militar, que, na ocasião, era conhecido por uma emenda que havia apresentado no Congresso. "Tancredo respondeu: Isso não é um senador. É uma emenda", contou Tourinho, que não se lembra qual emenda Lobão defendia.
"Tancredo era muito educado e espirituoso, divertido. Não era dado a intimidades. Com poucas pessoas ele se abria", diz Costa Couto.
O homem bem-humorado e reservado foi um dos principais responsáveis pela redemocratização do país. Morreu no dia 21 de abril de 1985, sem assumir a Presidência. Foi internado no dia 14 de março daquele ano, um dia antes de tomar posse. Sua morte foi cercada de mistério, numa época em que boa parte da opinião pública do país alimentava a esperança de que o regime militar chegasse ao fim. A causa oficial da morte foi infecção generalizada iniciada por uma diverticulite.