CPI da BHTrans

Vereadores pedem indiciamento de 22 empresários por formação de cartel

Além de Kalil, 30 pessoas e duas empresas são citadas pelo relatório final

Seg, 08/11/21 - 18h46
Os pedidos de indiciamento do relatório da CPI da BHTrans passarão pelo crivo do Ministério Público de Minas Gerais | Foto: Cláudio Rabelo/Câmara Municipal de Belo Horizonte/Divulgação

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Os vereadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans pediram o indiciamento de 22 empresários do setor de transporte coletivo urbano por formação de cartel. O relatório final, aprovado por unanimidade nesta segunda-feira (8) pelo colegiado, soma 31 pessoas citadas, incluindo o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), acusado de peculato, prevaricação, condescendência criminosa e infrações político-administrativas. Por outro lado, a Transfácil e a Maciel Consultores foram as únicas pessoas jurídicas citadas no rol de pedidos de indiciamento. O relatório final será entregue ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Durante a apresentação do relatório final, o presidente da CPI da BHTrans, Gabriel Azevedo (sem partido), apontou os representantes das empresas das concessionárias de transporte público como os principais alvos da comissão. “Há ausência de transparência e controle público social das atividades de interesse público. (...) É uma administração familiar confusa, misturada, que prejudica muito a população de Belo Horizonte. Agora, isso não me parece um amadorismo, porque burros não são. Pelo contrário: é proposital, no sentido de repartir o bolo do lucro. Belo Horizonte está sequestrada por uma máfia familiar de empresários de ônibus.”

De acordo com o relatório, as provas colhidas durante a investigação teriam demonstrado que o grupo de empresários que controla o sistema de transporte está espalhado entre diversas empresas que jamais poderiam concorrer entre si “devido à coincidência de sócios”. “A própria postura na ata de julgamento, em que todas as empresas abriram mão do recurso imediatamente, sem sequer analisar os documentos das supostas concorrentes, aliado aos contratos sociais apresentados para a concorrência, comprova o alinhamento do grupo para controlar o resultado do certame e o mercado de transporte de passageiros por ônibus no Município”, conclui.

O crime de formação de cartel é previsto pela Lei Federal 8.137/1990. Os vereadores imputaram os seguintes empresários: José Braz Gomes Pereira; Humberto José Gomes Pereira; José Braz Gomes Pereira Júnior; Fábio Couto de Araújo Cançado; Mary Couto Cançado Santos; Thais Angélica Cançado Gontijo; Rômulo Lessa; Rubens Lessa; Roberto José de Carvalho; Eneide Carvalho Santos; Fernando Aguiar Carvalho; Romeu Aguiar Carvalho; Joel Paschoalin; João Batista Paschoalin; Terezinha Fontes de Azevedo; Geraldo Lopes Salgado; José Márcio de Morais Matos; Renaldo de Carvalho Moura; Marcelo Augusto Gomes Pereira; Luiz Alfredo Gomes Pereira; Renato Antônio Gomes Pereira e Leandro Márcio Gomes Pereira.

Parte dos empresários, enquanto representantes dos consórcios, ainda é acusada de associação criminosa e estelionato, já que “organizaram as empresas que fariam parte de cada consórcio, assegurando que nenhum empresário ficasse de fora da partilha das RTS de ônibus”. Além ser enquadrados no suposto crime de formação de cartel, José Márcio de Morais Matos, Romeu Aguiar Carvalho, Roberto José Carvalho, José Braz Gomes Pereira Júnior, Renaldo de Carvalho Moura e Humberto José Gomes Pereira foram enquadrados nestas duas tipificações.

Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) e a Transfácil reiteraram a “plena e irrestrita” confiança no Ministério Público de Contas (MPC), no Tribunal de Contas do Estado (TCE), no MPMG e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). “Com a certeza de que, após o devido processo legal e o respeito à ampla defesa e ao contraditório, as acusações constantes deste documento serão todas fundamentadamente rejeitadas.”

As entidades ainda rechaçaram o que consideram pré-julgamentos de membros da CPI, “que, nesta função, deveriam apenas e tão somente investigar, não tem legalmente, nem constitucionalmente, nenhum poder de julgamento”. “A observância ao princípio da separação de poderes (...) estabelece que cabe ao Judiciário julgar, sendo constitucionalmente garantido que, quem investiga, não julga.”

Servidores da BHTrans também incluídos

O relatório final ainda arrola entre os pedidos de indiciamento servidores da BHTrans. O ex-presidente Célio Bouzada e os ex-diretores Daniel Marx Couto e Adilson Elpídio Daros. Couto e Daros são, respectivamente, gestor e fiscal do contrato firmado entre o Município e o Grupo Maciel para a auditoria do sistema de transporte coletivo urbano em 2017. Os três ainda estão lotados na empresa pública. Bouzada e Daros como analistas de tarifas custos. Já Couto, como diretor.

Os vereadores pediram o indiciamento de Bouzada por associação criminosa, estelionato, prevaricação, falsidade ideológica, advocacia administrativa, falso testemunho e supressão de documento. O ex-presidente da BHTrans é acusado de ter induzido o Executivo a firmar o acordo para a compra antecipada de vales-transportes em cerca de R$ 200 milhões entre março de 2020 e junho de 2021, assim como ter auxiliado na elaboração do contrato celebrado com as empresas em 2008.

Já Daros teve o indiciamento pedido por associação criminosa, estelionato, prevaricação, falso testemunho, falsidade ideológica e supressão de documento. Couto, por sua vez, é acusado de associação criminosa, estelionato, falsidade ideológica e prevaricação.

Tanto Bouzada quando Couto são representados pelo advogado Hermes Vilchez Guerrero. Contactado por O TEMPO, a defesa afirma que, embora tenha teor do relatório da CPI da BHTrans, prefere esperar para se manifestar sobre o pedido de indiciamento de ambos. Por outro lado, a reportagem ainda não conseguiu contato com Daros.

Grupo Maciel
A Maciel Consultores também foi incluída no relatório final, assim como a auditora responsável por assinar o relatório entregue à Prefeitura não escaparam dos pedidos de indiciamento. A empresa foi acusada de estelionato, por não ter “executado integralmente” o contrato de auditoria, assim como “ter apresentado alegação falsa no documento final entregue à Prefeitura”. A auditora Shaila Santos da Silva, por sua vez, “ao fazer constar declarações falsas no relatório que assina” e “ao omitir dolosamente irregularidades que teve conhecimento” teve o pedido de indiciamento por falsidade ideológica.

Em nota, a Maciel ressaltou a O TEMPO que, até o momento, não recebeu nenhum comunicado oficial para apresentar esclarecimento ou defesa na investigação. “A empresa se mantém à disposição das autoridades para colaborar com todas as informações, disponibilizando, inclusive, os documentos da época do trabalho realizado para a BHTrans, em 2018. A Maciel Consultores reforça que não compactua com qualquer ato de fraude, sendo a maior interessada em clarificar a situação o mais rápido possível.”

Restante dos envolvidos

O procurador-geral do Município de Belo Horizonte em 2008, Marco Antônio Rezende, também foi arrolado. Após deixar a Procuradoria em 2012, Rezende prestou serviços ao SetraBH para, inclusive, contestar o valor do reajuste da tarifa oriundo do processo licitatório. Além disso, de acordo com os parlamentares, Rezende não soube explicar como as caixas com a documentação desapareceram da Procuradoria-Geral do Município. O último registro oficial das caixas foi em 2011, quando Rezende ainda era o procurador-geral. Os vereadores pediram o seu indiciamento por prevaricação e peculato na modalidade culposa. O TEMPO fez contato com ex-procurador-geral e aguarda o retorno.

O sócio da Tecnotran, André Luiz de Oliveira Barra, e a funcionária da empresa, Renata Avelar Barra Righi, também sua filha, foram incluídos no relatório final da CPI da BHTrans. André Luiz seria o responsável “pela elaboração de todas as propostas concorrentes, tanto as vencedoras quanto as perdedoras” do processo licitatório de 2008. A informação teria sido denunciada de maneira apócrifa ao MPMG. Ambos tiveram o pedido de indiciamento por formação de cartel e associação criminosa.

Renata teria participado do processo conduzido por André Luiz ao “organizar a documentação de todas as empresas, vencedoras e perdedoras”. Ela seria a responsável “pela alteração/salvamento das propostas na análise das propriedades dos arquivos contidos nos CDs enviados pelas supostas concorrentes”. “Ao todo, a filha de André Barra salvou 21 arquivos de 4 concorrentes distintas em um intervalo de apenas 43 minutos no dia 21 de maio de 2008. Ainda, salvou 62 arquivos no dia 24 de maio de 2008 de todas as seis concorrentes entre 14h44 e 17h09.” O TEMPO não conseguiu contato com a Tecnotran até a edição desta matéria.

Ex-procurador-geral nega acusações de CPI 

O ex-procurador-geral de Belo Horizonte, Marco Antônio Rezende, criticou o relatório aprovado pela CPI da BHTrans e classificou o texto como um “disparate completo”. Ele foi responsável pela homologação do acordo firmado com as empresas de ônibus em 2008, mas afirmou que a prefeitura não tinha como detectar a formação de um suposto cartel na época. A comissão pediu o indiciamento de Rezende por prevaricação e peculato na modalidade culposa. 

“O que tenho pelo relatório é um total descrédito. É um disparate completo essa conclusão e os fundamentos para se chegar a essa conclusão. Em nenhum lugar do relatório está dito que eu recebi R$ 440 mil do Setra. Isso não é verdade, nunca foi verdade”, afirmou. 

Rezende rebateu ainda o fato de ter trabalhado para as empresas de ônibus logo após deixar a prefeitura. “Colocam como se eu tivesse saído da prefeitura e já fosse trabalhar para o Setra, o que não é verdade.

Decorreu mais de um ano ou por volta de um ano esse processo, para que eu aceitasse ir trabalhar no Setra. E foi dentro de um contexto específico, que foi o problema do reajuste das tarifas”, explica. 

Ele afirmou ainda que durante a gestão do ex-prefeito Fernando Pimentel (PT), não participou diretamente da licitação e que não tem relação com a suposta formação de cartel.

“Se existiu de fato esse cartel, e tenho dúvidas sobre isso, a prefeitura não tinha como detectar isso. Não tinha como saber. A denúncia foi feita de forma anônima e não foi comprovada. E foi feita para o Ministério Público, não para a prefeitura”, diz o ex-procurador geral de BH.

 

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