Entrevista especial

Carlos César: "Fui líder no Galo pelo o que era, não pelo o que ganhava"

lateral foi jogador do Atlético por oito anos; maturidade o transformou em conselheiro dos mais jovens; confira entrevista ao Super FC

Após gol contra o América, em 2016, Carlos César recebeu de Robinho a bola para homenagear o filho | Foto: JoÃo Godinho-13.10.2016
Thiago Nogueira| @superfcoficial
16/08/19 - 08h00

O lateral Carlos César, de 32 anos, talvez nunca seja chamado de ídolo pelo torcedor atleticano. O jogador também nunca constou da lista de altos salários e, sempre mostrando dedicação e perseverança em campo, viveu raros momentos de titularidade. Mas, em oito anos de Atlético, ele teve papel preponderante no vestiário naquele que é considerado o período mais vitorioso da história alvinegra. 

Último atleta do interior contratado pelo Galo, Carlos César, que chegou em 2011, vindo do Boa Esporte, não teve o vínculo renovado e se despediu do clube no fim do mês passado. Em meio a lesões e empréstimos a outras equipes, ele fez 101 partidas pelo alvinegro e marcou cinco gols.

Em entrevista ao Super FC, Carlos César relata casos de bastidores e conta como procurou ajudar companheiros mesmo quando não estava em campo. O jogador faz questão de mostrar orgulho pelo legado que deixa na Cidade do Galo, algo maior do que números e taças.

Como surgiu o interesse do Atlético em contratá-lo?

Joguei o Mineiro pelo Guarani, de Divinópolis, e a comissão do Atlético já me estava monitorando. Fui para o Boa Esporte e fiz oito jogos. Quando recebi a notícia (do interesse atleticano), estava indo para a concentração para um jogo contra o Criciúma. No dia do jogo, uma sexta-feira, fui para BH. Foi bem rápido e, no sábado, já estava viajando para jogar contra o Internacional. A ficha caiu aos poucos. Na sexta, ia jogar a Série B e, no domingo, a Séria A, realizando um sonho. Foi uma mudança muito brusca. Quem pediu minha contratação foi a comissão do Cuca.

Quem foi o primeiro a te contou sobre o Atlético?

Eu estava com um amigo, na rua, com a mochila nas costas, quando o presidente (do Boa Esporte) veio atrás de mim, colocou a mão no meu ombro e me mandou juntar as coisas para viajar. Só falou assim. “Esse cara é meio maluco”, pensei. "Capaz de me mandarem embora. Para ele vir atrás de mim, boa coisa não é". Lá eles contratavam e mandavam embora o tempo todo. Quando cheguei ao escritório, eles me falaram que estavam acertando com o Atlético. E pegamos estrada. Fiz meu primeiro jogo contra o Inter, entrando no segundo tempo e dando assistência. Minha estreia como titular foi na Arena do Jacaré (contra o Ceará). Fiz gol, sofri pênalti (perdido por Magno Alves). Foi meu primeiro contato com a torcida. Quando era menino, assistia muito vídeo da torcida cantando. Lembrei de tudo isso. Foi muito emocionante.

Você foi o último jogador do interior contratado pelo Atlético. Por que o interior não tem revelado mais?

Quando joguei no Guarani e no Boa, nunca perdi a referência de onde queria estar. Queria jogar no Atlético, num grande clube, de Série A. Todos os jogos que fazia, fazia pensando em estar lá. Eu jogava como se já estivesse pronto. Isso faz muita diferença. Às vezes, o jogador está numa Série B, fica olhando só para lá, e não consegue uma projeção. Não tenho uma explicação exata (de não se contratar jogadores do interior), mas a cada ano, o futebol está mais competitivo. A concorrência é muito grande e os clubes estão trazendo jogadores da Europa, com experiência, além dos meninos da base. É por isso que quem está no interior precisa se dedicar mais. Penso em criar um projeto e ajudar nessa área. É importante se privar da vida noturna, das ofertas que acaba tirando os atletas de foco e dificulta quem está no interior.

Como é possível se dedicar mesmo em um clube sem estrutura?

Não é desculpa. Saí de Uberaba, de um bairro chamado Alfredo Freire, um local renegado pelo próprio povo da cidade. Eu jogava bola ali, ia para o centro e, se eu falasse que era do meu bairro, sofria rejeição. Como poderia pensar em chegar aqui (no Atlético)? O Levir (Culpi, treinador) falava: "o atleta é uma empresa". E se ele não investir na sua própria empresa, dificilmente, vai ter sucesso. Tenho que investir no meu descanso, passar mais tempo no meu trabalho, me dedicando. Preciso estar sempre atento a fazer amizades, a aprender com companheiros experientes. São coisas que, infelizmente, a grande parte dos jogadores não está focada. Acredito que o futebol do interior pode ter mais resultado se mudar a mentalidade. O crescimento do atleta vem quando ele foca no que é sólido, nos princípios, nos valores. Ele quer comprar uma casa, ter uma vida melhor, ter sucesso. E quando ele ingressa no futebol, acaba sendo atraído por essas ofertas enganosas, que o acaba tirando do caminho.

Quais foram os seus investimentos, o que conseguiu construir ao longo do tempo como jogador de futebol?

O atleta pode ter a renda que for, tem que aprender a investir o seu dinheiro, fazer amizades com profissionais da área, do contrário, o que ele ganha, infelizmente, vai perder. Às vezes, ele fica empolgado com o que ganha, e não vai saber falar "não" para as pessoas. Não é porque você está ganhando um bom dinheiro que você tem que ajudar todo mundo. Nem todos que pedem estão passando por dificuldades. Eles só te olham como jogador e nem sabem quanto você ganha, pensam que ganham muito dinheiro, baseado numa visão que não é realidade. Quando olha um Brasileiro, uma Liga dos Campeões, não é essa a realidade do futebol. Nem todos tem o privilégio de ter essa condição. Aprendi isso depois que cheguei ao Atlético. Convivi com jogadores consolidados, como Gilberto Silva, Josué, Fred, Robinho, Ricardo Oliveira. Extrai o máximo disso para aprender, para me relacionar com empresários. A maioria dos empresários diz que vai fazer o melhor, diz que são seus pais, mas estão ali por negócio. Temos histórias triste de jogadores que não adquiriram patrimônio, não fizeram investimentos e passam dificuldades depois.

Você conviveu com jogadores que chegaram ao clube com altos salários. Como fica o relacionamento no grupo sabendo que alguns ganham mais do que você?

Normal. Adquirir uma maturidade de entender que estou em um grande clube, com jogadores de salários muito altos, mas sabia entender minha posição. O fato de eu adquirir amizade com jogadores que ganham fortunas, não me dá o direito de ter a mesma vida que eles. E é isso que muitos atletas não entendem. Às vezes, ele acaba fazendo a amizade com alguns jogadores para ter a mesma vida, a mesma casa, o mesmo carro. Isso nunca passou pela minha cabeça. Mantive os pés no chão. As pessoas que olham os resultados de outros, não vêm o que eles fizeram para construir aquilo e acabam se perdendo.

Você acredita que foi justamente essa consciência que o fez permanecer esse tempo no Atlético, ser um cara agregador?

Exatamente, sem dúvida. Teve uma situação que foi engraçada, só não vou falar o nome do jogador. Eu estava no vestiário e o atleta falou: “estou correndo aqui, me esforçando e fulano que só joga na frente ganha R$ 1 milhão”. Eu falei: “então faz 40 gols no ano, joga na seleção, na Copa do Mundo e tem uma carreira como ele teve que você ganhará”. Ele ficou calado e saiu resmungando (risos). Cada um vai trilhar o seu caminho, vai buscar o fruto através do trabalho. Você tem que saber da sua importância no grupo. Eu era um líder no meio de jogadores consolidados: Fred, Robinho, Leonardo Silva, Victor, não pelo o que eu ganhava, mas pelo o que eu era. Soube entender isso. A autoridade vem de seus valores e princípios. E isso o dinheiro não vai vencer.

Você acabou emprestado algumas vezes quando não teve espaço. Você entendia isso?

Sempre quando saí, saí no momento certo. A primeira saída foi em 2014, para Athletico-PR e Vasco e, depois, Coritiba (2018). Quando cheguei lá, percebi que tive um crescimento. Era um grupo de atletas mais novos e ele me pediam muito auxílio. A gente sentava para conversar. O Nathan, que está aqui agora, era um deles. Aí vi que tinha me tornado uma referência. Foi assim no Vasco e, por último, no Coritiba.

Como foi conviver com os períodos de lesões, você teve algumas mais sérias no Atlético. Às vezes, o jogador acaba se perdendo nesse período de recuperação.

O momento mais difícil foi quando fiz duas cirurgias no ano, sentia muita dor e queria voltar a jogar. E passei a viver aquela experiência em casa, com minha família, minha esposa. Sou um homem de muita fé, converso muito com Deus. Um dia estava abatido e parecia que não ia aguentar mais. Foi quando eu tive uma experiência com Deus. Não era normal passar por tudo isso. E se eu passei, tinha que adquirir experiência. Recentemente, o Vinícius (Alessandro Vinícius, formado na base) se lesionou e a primeira coisa que o doutor Rodrigo (Lasmar, médico do clube) falou foi para ele me procurar e conversa comigo. Foi assim com ele, com o Denílson (atacante recentemente emprestado ao Tondela-POR), que estava lá se tratando. Eles vieram, me ligaram. O Uilson (goleiro, submetido a uma cirurgia no joelho e não joga desde o fim de 2017) também. O Uilson se tornou um grande amigo nessa recuperação dele. Ele sempre está mandando mensagem, está se encontrando. O que ele está passando, nunca vi igual. A situação dele é mais complicada. Ele está vendo em mim um apoio para permanecer de pé e trabalhar com bom ânimos e otimismo. Tento ser essa pessoa para fazê-lo olhar para frente. Ele está fazendo um tratamento, mas tem que ter um pensamento de voltar a jogar e voltar à seleção brasileira.

Você teve a concorrência com o Marcos Rocha, que vivia grande fase. Como foi ser reserva dele em muitos momentos?

Quando fui para o Boa, tinha um atleta que estava jogando lá, estava bem, mas machucou a clavícula. Entrei em seguida, tive uma sequência de jogos e já vim para o Atlético. Tem que ser grato, e não reclamar. Quando cheguei ao Atlético, em 2011, tive um ano bom. Em 2012, iniciei jogando o Mineiro e o Brasileiro, mas tive uma fratura no nariz em um jogo-treino. Daí o Marcos Rocha me substituiu e começou a ter uma sequência boa em 2012, 2013 e o sucesso de seleção brasileira. Conviver como reserva do Marcos Rocha me fez saber que, da mesma forma que aconteceu comigo, não iria reclamar, ia aproveitar as oportunidades. Não me arrependo. Aproveitei todas as oportunidades e tive as minhas conquistas. Quando joguei, sempre representei. Meu relacionamento com o Rocha foi crescendo, não éramos tão próximos no início, mas depois nos tornamos grandes amigos.

Você não chegou a jogar na Libertadores de 2013, mas esteve no grupo. Como foi a convivência?

Não fiz nenhum jogo. Não lembro o número de jogos que fiquei no banco, mas depois do jogo do Tijuana fora de casa, viemos jogar contra o Coritiba, no Brasileiro, e machuquei o quadril. E ali eu fiquei até o fim da Libertadores machucado. Depois joguei alguns jogos no Brasileiro e fui para o Mundial.

Uma das imagens da comemoração do título da Libertadores era você no pódio de muleta. Como foi passar por aquele momento?

Verdade. Me machuquei, mas fiquei agradecido pela atitude da comissão técnica, porque, mesmo machucado, eles não me tiraram da relação, tinham muito respeito por mim. Sou muito grato ao Cuca, ao Cuquinha (auxiliar), ao Eudes (Pedro, auxiliar). Eles passaram a me levar para todos os jogos fora de casa na Libertadores. Fui para a Argentina, para o Paraguai. Eles já reconheciam a importância que eu tinha no grupo.

E garantiu sua medalha de campeão da Libertadores...

Pois é. Está aí a importância de não se preocupar apenas nos 90 minutos. Isso é uma coisa que sempre falo. Jogamos só no domingo e a semana tem sete dias. Tem que mostrar o seu trabalho, que é importante no grupo. Essa maturidade me fez estar com a medalha da Libertadores e ter vivido uma experiência no Mundial de Clubes.

A torcida brinca que o jogador chega ao Atlético como funcionário e sai torcedor. Será o seu caso?

Já foi, né? Mesmo sabendo que iria terminar meu ciclo, sempre quis fazer algo, ajudar os companheiros, sair de uma situação adversa. Meu filho, aonde a gente vai, quer colcar a camisa do Atlético, se tem jogo do Galo, ele quer que coloque no canal. Esses anos todos no Atlético me fez sentir um amor pelo clube e isso não é atoa. Sempre vivi intensamente quando joguei e sempre vou querer o bem.

Como você recebe o comunicado do Atlético que não ficaria?

Eu já sabia que não iria renovar. Quando o Levir saiu, passei a não ir mais para os jogos. E quando o Levir estava, ele tinha pedido a minha renovação. O Levir saiu, e não houve mais o interesse e, um pouco antes, teve a chegada do Guga também. A diretoria tinha o pensamento dela. Eu não fui comunicado na época, mas com a vivência que tenho no futebol, já sabia que dificilmente teria uma renovação. No fim de tudo, procurei o Marques para ter uma conversa, despedir, dizer o que pensava e sai com as portas abertas.

Já apareceu proposta de outros clubes?

Tem algumas conversas. Eu e meu empresário estamos conversando e a gente espera que concretize alguma situação.

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